O sorriso de Sócrates
Martim Borges de Freitas
Sexta, 16 Março 2012 10:27
Em 2005, apoiei a candidatura de Cavaco Silva à Presidência da República. Era, então, Secretário-geral do CDS e, nessa qualidade, julgo ter contribuído para que o meu partido viesse a apoiar a sua candidatura. Configurando a candidatura de Cavaco Silva uma resposta às condições políticas de 2005, isto é, à vitória do PS com maioria absoluta, à afirmação de uma maioria de esquerda parlamentar como já não se via desde 1975 e à maior derrota eleitoral de sempre do conjunto do centro-direita, a prioridade era, pois, travar politicamente a esquerda e tentar equilibrar o sistema político. Eleger Cavaco Silva era garantir que a esquerda e o PS não teriam um instrumento em Belém. Além disso, do ponto de vista puramente partidário, era importante para o CDS fazer parte da maioria presidencial.Quando Cavaco Silva apresentou a sua recandidatura à Presidência da República, ainda em 2010, ouvi o discurso com atenção. Como seu apoiante, houve muitas coisas de que gostei. Também como seu apoiante, houve três de que não gostei. Destas três, uma vem agora ao caso: a do autoelogio que então fez. Não ficou nem fica bem – disse-o na altura. É sempre melhor serem os outros a dizerem bem de nós. Em contrapartida, gostei da evolução para a “magistratura activa”. Em 2006, no seu discurso de posse, Cavaco Silva desenhou o quadro em que exerceria o seu mandato. Traçou duas linhas: “cooperação estratégica” e “estabilidade dinâmica”. Em 2011, Cavaco Silva falou em “magistratura activa”. Embora não tenha clarificado o seu significado, sempre esperei que significasse um Presidente que, com equilíbrio e sentido de justiça, usasse plenamente todos os seus poderes, que ajudasse a sociedade portuguesa a superar a crise, que fosse exigente e que tivesse sentido de patriotismo. Que soubesse transmitir entusiasmo, energia, esperança. Que falasse verdade. Que nos dissesse para onde podemos ir.
Chamo esta pequenina narrativa à colação, porque no decorrer destes últimos dias muito se tem falado do Presidente da República e do prefácio que escreveu no livro que assinala o seu primeiro ano de mandato pós-reeleição. Pois é! Também eu não posso fugir à crítica que por muitos foi feita. Atacar o anterior Primeiro-ministro na sua ausência, não é bonito. Em democracia não há, aliás, nenhuma razão para não se dizer na frente o que é fácil dizer nas costas. Bem sei que ao tornar pública uma crítica é sujeitar-se à crítica de todos. Mas todos sabemos, e o Presidente da República ainda mais, que o anterior Primeiro-ministro está fora do combate político directo. E foi por isso, independentemente da razão que possa assistir a Cavaco Silva quanto à questão de fundo (e que também ela é obviamente discutível) foi por isso, foi por não ter dito frente a frente o que pensava ou por não o ter reservado para as suas memórias, que toda a gente entendeu as críticas a Sócrates como um torpe ajuste de contas.
Cavaco Silva tem destas coisas. E são estas coisas que mais o marcam e que mais o vão marcar, pelo menos para a minha geração. Não significa isto que Cavaco Silva não tenha feito e promovido boas coisas em Portugal. Significa apenas que, como toda a gente, também Cavaco Silva tem um lado bom e um lado mau. E este é, manifestamente, o seu pior lado. Como seu apoiante, fico sem resposta quando me perguntam o que tenho a dizer sobre mais esta atitude de Cavaco Silva… Sem grande esforço, esta crónica poderia ter sido em sua defesa. Deveria até ter sido. Mas não foi. Sócrates ainda deve estar a sorrir. E não teria razões para isso.
Martim Borges de Freitas
Lisboa, 15 de Março de 2012
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