quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

MEMÓRIAS DO PASSADO – HOJE A “MEMÓRIA” É DO HELDER SALGADO

Nota do Editor:

Desde há muito que o Hélder nos habituou a deixar neste “espaço” o seu testemunho em jeito de homenagem, a pessoas que “marcaram” a sua juventude ao mesmo tempo que se tornaram em personalidades que nunca procurando ser famosas, ficaram na memória de todos nós quer pelos seus actos, quer pelas suas “saídas”, quer pela sua bondade, ou pelos seus dotes.
Já aqui foram recordados, por intermédio do Hélder, o Catita Guiomar, o Dr. Galhardas, o Borrões, O Velho Godinho. O Zé Seabra, o Caritas, entre tantos outros.
Agora o Hélder proporciona-nos uma história digna de ombrear com tantas outras de Autores consagrados (Manuel da Fonseca, Alves Redol, Fernando Namora, entre outros)
Ao longo de várias semanas aqui vai ser recordada esta “personagem” que alem de outros dotes era exímio tocador de harmónica.
Assim se vai preservando (para memória futura) os usos e costumes da nossa gente.

NÃO QUERO E NÃO POSSO DE MANEIRA ALGUMA DEIXAR DE PUBLICAR NA INTEGRA O EXCELENTE TRABALHO LITERÀRIO DO HELDER, O QUE NÂO É POSSIVEL NO AL TEJO NOS MOLDES EM QUE FOI CONCEBIDO.
NO ETANTO O MESMO PODE SER LIDO NA INTEGRA em http://alsul.blogspot.com/

O VELHO APERTA - A HISTÓRIA DE UM TOCADOR

Quando acabo de escrever o último texto fico sempre com uma sensação de vazio, julgando não me recordar de nova história.
Do “Bota cá licença” não sei como me apareceu na ideia.
Da “Morcela do Caritas”, foi no Fórum, quando, chegando já tarde, fui ouvir o Grupo de Portel, espectáculo de muito bom agrado, cuja locução soube transmitir para a plateia, a alegria que se vivia no palco.
Havia poucos lugares vagos e vendo três lugares vazios, procurei sentar-me sem incomodar. O mesmo procedimento teve a Bernarda Caritas, que sentando-se ao meu lado foi minha companheira até final do espectáculo.
Quando nos despedimos, num gesto impensado, disse-lhe - Vou escrever sobre a Morcela do Caritas - A Bernarda sorriu e cada um de nós foi ao seu destino.
Estamos em ambiente de música, dada pelo citado grupo, que teve a arte e o engenho de levar o Cante Alentejano além-fronteiras, (quem não se recorda do “Passarinho às quatro da Madrugada?”). Esta crónica irá decorrer no mesmo ambiente, com música dada, não por mim, mas pelo Tonho Aperta, que era tocador de harmónio.

O começo de um sonho

A popular e alegre aldeia de Montejuntos, foi berço do nosso protagonista.
Nesta simpática povoação irá decorrer esta história, que não sendo comum a qualquer pessoa, poderia ter sido a sua, a minha, a nossa, se decidíssemos correr riscos, se amassemos como o Tonho amou, se vencêssemos as metas que a vida nos ofereceu, se enfim fossemos um sonhador como o Tonho Aperta.
Eis o seu percurso.
Nascido de uma humilde e pobre família o Tonho soube com a sua capacidade de trabalho e elevado grau de respeito e seriedade, singrar na vida.
Não enriqueceu, nem isso, como afirmou algumas vezes, fora sua pretensão, apenas não queria olhar para “mãos alheias”.
Por imposição do pai, tirou a quarta classe, gesto que ele, quando se reconheceu como homem, bastante enaltecia.
- Se o meu pai não me obrigasse a tirar a quarta classe, hoje era mais burro do que a minha burra - chegou a dizer agradecendo deste modo ao pai.
Logo que saiu da escola o pai contratou-o para guarda de perus, no Aguilhão, tarefa que durava até ao Natal.
O então menino Aperta, não tinha “soldada”, vencia apenas a comida e dormida, tendo-lhe o lavrador dado quinze escudos, no fim da safra, valor correspondente ao preço de um peru de tamanho médio.
- Quinze escudos - murmurou o jovem inúmeras vezes, a caminho da sua casa em Montejuntos.
Pediu à mãe que lhe guardasse o dinheiro.
- Para que queres tu o dinheiro, não vês que faz falta cá em casa - disse a mãe determinada a gastar aquela pequena verba.
O rapaz entristeceu, baixou a cabeça e foi sentar-se a um canto da chaminé.
À noite, mais tarde, quando o pai chegou a casa viu-o com os cotovelos firmes nos joelhos, tapando a cara com as mãos.
- Que tens filho, estás doente? - perguntou surpreso o pai, que pouco antes o vira meter a mão direita no bolso das calças, a certificar-se que não tinha perdido o dinheiro, gesto que o pai traduziu de contentamento.
- Não pai, a mãe precisa do dinheiro, entreguei-lho - respondeu tentando não se mostrar triste, não conseguindo enganar o pai, que voltando-se para a mulher, disse, - Guarda o dinheiro do rapaz, talvez não nos venha a fazer falta.
O Tonho Aperta levantou a cabeça, sorriu para os pais e nada disse.
O sonho de comprar o harmónio começou com o dinheiro do peru, com os quinze escudos.

O primeiro olhar

Mais um Natal passado no Aguilhão e vemo-lo, em “escamél”, na Talaveira, depois já em carreiro, no monte do Roncão. Aqui contratado e a auferir duzentos e cinquenta escudo mensais.
O harmónio estava cada vez mais próximo do nosso homem.
O serviço como “escamél” era um serviço solto e todas as semanas ia buscar, ao moinho da Cinza, no carro de varais, quatro sacas de farinha para as cozeduras, que ele próprio ajudava a fazer.
Peneirava a farinha, amassava, ajudava a tender, enchia o forno de lenha e varria-o.
O jovem Tonho era um precioso auxiliar da tia Maria Berjano a encarregada desta labuta.
Numa das ocasiões em que se deslocou ao moinho encontrou lá a Bia Figueiras.
Já conhecia a rapariga e algumas vezes falara com ela, agora ali, com o barulho da água a galgar a parede do açude, com o cheiro da flor dos carapetos e o colorido rosáceo dos alandros, pareceu-lhe diferente, mais bonita.
Olharam um para o outro, falaram e sorriram, durante uns momentos.
Na despedida, quase por instinto, estenderam as mãos, fixaram o olhar um no outro parecendo selar um compromisso para toda a vida.
O nosso homem verificou que passar para Espanha era fácil, aliás já uma vez passara com o pai, pelo açude do moinho da Azenha de El-Rei, quando foi à festa à Cheles.
A ideia de passar contrabando começa a apoderar-se dele.

(Continua na próxima semana)

2 comentários:

Anónimo disse...

Já li a história completa.
Está uma maravilha!! Abençoado seja o Hélder por aquilo que nos oferece. Um abraço. M Subtil

Anónimo disse...

Obs.

Também já li.Gostei.Gostei muito.

Um abraço

Anb