terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

COLABORAÇÃO DR. JOSÉ ALEXANDRE LABOREIRO

INDIGNAI-VOS !


«Prefiro um adversário com espírito crítico a um correligionário que o não tenha.»
António Sérgio

Num livrinho de linguagem escorreita, de feição maiormente divulgativa, mas de opiniões bastante pertinentes e assertivas (“Os homens lixo), Leonel Moura alerta: “Para a sociedade contemporânea, a exclusão é vista como catástrofe natural. Epidemia que atinge uns e aparentemente poupa outros, numa selecção devedora das crenças, mais do que da condição social. Os excluídos constituem uma intromissão visual nascida directamente da contingência. Como uma chuva que cai quando lhe apetece ... Sem pertença política e social, não há humanidade. A exclusão resulta antes de tudo numa expulsão da própria condição humana. A banição irremediável, a rota da leprosaria ... Daí, a surpreendente falta de raiva dos mendigos. Não lutam pela vida, mas pela sobrevivência. Não reivindicam a pertença, mas tão só a permanência.
Na segunda metade do séc. XIX, Antero de Quental “pinta” a nossa sociedade com as seguintes colorações: “uma nação enferma e do pior género de enfermidade, o langor, o enfraquecimento gradual ... afectado de atonia tanto na constituição íntima da sociedade, como no movimento, na circulação da vida política ...; o luxo, e a riqueza improvisada dum pequeno número, mascarando a pobreza universal, o desequilíbrio constante entre o consumo e a produção... a agiotagem substituída ao comércio e a intriga ao trabalho; o abatimento económico prostrando os pais, no meio da agitação febril de meia dúzia de especuladores; o abatimento moral, pela indiferença, pela inércia, gastando os caracteres, amolecendo as vontades”.
Numa recente edição do Publico, José Victor Malheiros, após constatar a sensaboria habitual dos telejornais (com as reportagens sobre acidentes de viação, assaltos, os aumentos do custo de vida - onde não há ninguém indignado, nem sequer contestatário, muito menos agressivo), interroga-se “será que os jornalistas da televisão se dão conta do retrato que fazem do país? Um país resignado, onde não há opções políticas, reais discordâncias, debates em pé de igualdade, alternativas, revolta, indignações, hipocrisias? Onde há apenas assaltos para justificar o medo, acidentes para emocionar ...?” Há tempos, já - igualmente no Publico - Vicente Jorge Silva denunciava que as classes e “lobbies” dominantes podem o que podem porque o Pais é como é. E o Pais é como é porque quem pode tem conveniência em que seja assim.
Aliás, Gilles Lipovetsky (in “A era do Vazio”) caracteriza os tempos de hoje, como uma época da indiferença, hedonista, propensa ao culto do prazer, individualista, pautada inteiramente pela mera demanda do luxo e da comodidade e pela aparência - revelando uma relutância à aparência pela Cultura lembrando a opinião - nos anos 30 do século passado - de Ortega e Gasset no seu livro “A rebelião das Massas”. Precisamente, para sacudir esta mentalidade de conformismo, indolência, indiferença (que conduz α desdignificação Social do Homem), Stephane Hessel (herói da “resistência” francesa à ocupação alemã-nazi) oferece-nos dois livros (Indignai-vos!” e “Empenhai-vos!”), onde - com ideias inovadoras e críticas cerradas e certeiras - vai de encontro do que as pessoas comuns, mas conscientes, sentem e pensam profundamente, nas sociedades modernas, mas não sabem como expressar: autêntico grito de alarme aos cidadãos - não às armas nem à violência - para que expressem a sua indignação como é seu direito inalienável, em Democracia (para que no momento próprio usem, em consciência, a arma do voto, o debate na associação, no sindicato, no emprego, na vizinhança, na rua, recorrendo ao abaixo assinado, emitindo a opinião no partido): de modo a alterar, pacificamente, a feia e intolerável realidade presente. um apelo à cidadania activa, antes que a revolta dos espíritos dê lugar a tumultos de rua incontroláveis e destrutivos (conforme sucedido em Londres, no Magrebe, e um pouco por toda a parte).

Constituem um apelo implícito - e um aviso - aos responsáveis políticos para que mudem o estilo de governação e de paradigma de desenvolvimento antes que seja tarde: convicto - talvez injustamente - de que não é por meios violentos, revolucionários, que se derrubam as instituições existentes (fazendo progredir a Historia).
António A. Ferreira de Macedo (Homem ligado à Revista Seara Nova, e um dos fundadores da Universidade Popular Portuguesa) lembrava (em 1922): verdadeiros homens são aqueles que adquiriram uma cultura geral, o mais possível completa e sistematizada, e o sentimento e o hábito da sua aplicação a fins sociais e individuais harmónicos, e escolhidos tão livremente quanto possível. É afinal, a aculturação que se impõe, conhecendo o Mundo e o Homem - inclusivamente para alicerçar a indignação. que, como diz Hessel, o homem novo já não é o homem a quem Deus diz na Bíblia “Serás o Senhor da Natureza”; É o homem instruído, que conhece melhor o funcionamento do Mundo terrestre e social. E os Papas Conciliares aperceberam-se deste facto: tendo João XXIII (in “Pacem in Terris) apelado “A todos os homens de boa vontade incumbe a imensa tarefa de restaurar as relações de convivência humana na base da verdade, justiça, amor e liberdade: as relações das pessoas entre si, as relações das pessoas com as respectivas comunidades políticas, e as dessas comunidades entre si, bem como o relacionamento de pessoas, famílias, organismos intermédios e comunidades políticas com a comunidade mundial; e Paulo VI (in “Populorum Progressio) exortado os Homens de Estado a tomarem medidas no sentido da promoção da Felicidade do Homem, da dignificação humana - de modo a criarem um paraíso na Terra (assente numa boa governação). E isto passa pela liberdade, igualdade de oportunidades, solidariedade, pacifismo - assentes no conhecimento e na justa redistribuição da riqueza. Que, como nos lembram os Evangelhos, não podemos servir simultaneamente aos dois senhores: a Deus e ao dinheiro.
José Alexandre Laboreiro

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