Um outro fado
Martim Borges de Freitas
Sexta, 02 Dezembro 2011 11:16
Foi aprovado mais um Orçamento de Estado. Desta feita para 2012. Como já vem sendo hábito, PSD, CDS e PS foram quem o aprovou. Ao abrigo, claro está, desse, hoje, infelizmente, já cliché, que dá pelo nome de sentido de Estado ou interesse nacional. Nos últimos quinze anos (desde António Guterres) que o PS e o PSD, com a sempre oportuna, às vezes necessária, ajuda do CDS, têm vindo a viabilizar os Orçamentos de Estado. O pretexto tem sido sempre esse: o do sentido de responsabilidade ou o do superior interesse nacional. Excluindo os tempos em que houve uma maioria parlamentar, Marcelo Rebelo de Sousa, por causa da entrada de Portugal na moeda única, Manuela Ferreira Leite, por causa do descalabro da contas públicas e do endividamento externo e Passos Coelho pela - mais ou menos - mesma razão, eis que agora temos o PS de Seguro a fazer o mesmo. Ou seja, a dar o tal sinal de profundo sentido de Estado, viabilizando o que já estava viabilizado por natureza.
De Orçamento de Estado em Orçamento de Estado, o caminho seguido, esse, é que não tem sido diferente. Os resultados são o que são. Mas o problema tem sido sempre o mesmo: todos sabem manejar o garfo, mas quando se lhes dá uma faca para a mão ninguém a tem sabido usar!
Agora, há uns meses, mudou o governo. Mas mantém-se a lógica. Como antes, com o PSD e com o CDS, hoje é o PS que não é alternativa. O PCP e o Bloco de Esquerda reassumem-se como partidos de protesto, sem surpresa. Mais por razões de táctica eleitoral do que outra coisa qualquer, já que o que eles querem mesmo é manter a sua base social de apoio, mais ou menos ortodoxa, mais ou menos radical. Em ambos os casos, tentando transportar para a rua o que não conseguiram obter nas urnas.
Quando muitos, eu diria, a maioria, dos políticos e comentadores apelavam a uma coligação PS-PSD-CDS, defendia eu que não, que o melhor era irmos para eleições e deixar ao PS a liderança da oposição, justamente para que o PCP e o Bloco de Esquerda não viessem a capitalizar o óbvio descontentamento que haveria de se tornar incontornável. Ora, o que se tem estado a verificar é que o PS não tem sido capaz de o fazer. E seria bom, muito bom para o país, que o PS, por um lado, limitasse o mais possível a acção dos partidos à sua esquerda e, por outro, aparecesse com uma proposta política diferente da do Governo. É que, havendo coincidência de posições com uma ou outra nuance entre o Governo e o principal partido da oposição, haverá o que tem havido, isto é, alternância, mas não alternativa. E o que se tem visto, como enfatizei no início desta crónica, é que, sem alternativa, como a que não tem existido pelo menos há quinze anos, é o país que perde. Com os custos que se conhecem e que se vão agravar. O Governo e o país ganhariam em ter um PS que se constituísse como alternativa. E democracia serve exactamente para que as alternativas possam existir e que, uma vez criadas, possam ser governo e exercer o poder. Caso contrário, os governos acomodam-se. Acomodando-se, deixa de haver sonho. E aí, tornar-nos-emos num país sem ambição, apático, triste. Na semana em que o fado passou a ser património imaterial da humanidade, é a matéria de que somos feitos que tem de vir ao decima, é o nosso destino colectivo que temos de ser capazes de mudar. É, portanto, outro o fado que vamos ter de cantar.
Lisboa, 30 de Novembro de 2011
Martim Borges de Freitas
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