segunda-feira, 21 de novembro de 2011

VASCULHAR O PASSADO - RUBRICA MENSAL DE AUGUSTO MESQUITA

Na sua crónica mensal Augusto Mesquita recorda-nos o passado.
Há sempre um traço de união nos assuntos abordados pelo Autor entre Montemor e o Alandroal.
Desta feita é o Castelo.
Congratulo-me pelo facto desta vez o Castelo da minha terra (Alandroal) não se encontrar no estado deplorável do descrito por Augusto Mesquita e do mesmo não ter passado pelas adversidades deste.
No entanto não posso deixar passar em claro o Castelo de Juromenha, o seu estado, e indagar pelo tão propagado projecto que tarda em ser concretizado.
Chico Manuel

O estado do nosso Castelo, “Monumento Nacional” há 60 anos não se deve ao Grande Terramoto de 1755

Ao contrário do que muitos montemorenses imaginam, a destruição do nosso Castelo, classificado Monumento Nacional há 60 anos, não se deve ao terramoto de 1755, como a seguir se comprova:
A altitude a que se encontra o Castelo fez com que a população procurasse a proximidade com a estrada real, que passava pelo sopé do monte, provocando um fenómeno de abandono do recinto fechado, em favor da actual localização.
Para construírem as casas no arrabalde, os moradores da fortaleza, transportaram pedras das construções existentes no local, e também das próprias muralhas. A destruição do nosso castelo iniciou-se no reinado de D. Manuel I (1495 – 1521).
Dois séculos e meio depois, de D. Manuel ter tentado em vão, que os montemorenses se mantivessem na fortaleza, ocorreu no dia 1 de Novembro de 1755, o Terramoto de Lisboa, que originou a destruição quase completa da capital. Foi a maior catástrofe que alguma vez aconteceu em Portugal. O tremor de terra foi tão forte, que provocou estragos em diversos pontos do país, mas, no caso concreto de Montemor-o-Novo, o sismo não originou grandes prejuízos.
Testemunha de vista, o Padre Vicente, contava em 26 de Fevereiro do ano seguinte ao terramoto, o estado em que ficara a vila, demorando-se mais com a freguesia de Santa Maria do Bispo, a que pertencia.
Quando o terramoto atingiu Montemor-o-Novo, a vila estendia-se já quase exclusivamente pelo arrabalde. Na cerca continuava de pé o Palácio dos Alcaides, habitado então por um casal da freguesia de S. João – únicos e últimos paroquianos, que ocuparam esse local, decerto por não haver outras casas na freguesia, que aliás nunca foi populosa. A Igreja Matriz estava intacta, mas os fregueses moravam na esmagadora maioria, fora da cerca. Pela Porta do Relógio ou pela do Anjo, aí acorriam os fiéis, à hora da Missa e demais actos religiosos. A Igreja de Santa Maria da Vila, pelo contrário, encontrava-se em “miserável estado”, como se lê na informação paroquial do seu reitor, Filipe Barradas. Por isso, a Paróquia havia sido antes transferida para a Ermida de S. Vicente e o beneficiado Vicente não refere quaisquer estragos causados pelo terramoto.
Por ser dia de Todos os Santos, encontravam-se fiéis na maior igreja da vila, a Matriz, para aproveitarem o jubileu geral concedido a todo o Mundo pelo Papa Bento XIV. Pouco mais ou menos às nove horas e três quartos da manhã, ouviu-se ao longe, estrondo que fez lembrar carruagens juntas a andarem por aí, até que eclodiu “um terrível terramoto”. Tremeram as paredes do templo e o tecto, durante uns oito minutos, “com tanta forsa, que as alampadas da Capela do Santíssimo Sacramento, sendo três e em distância grande, deram umas nas outras”. Apagaram-se por si as luzes, caíram vidros e azeite. As águas do rio Canha (o Almansor de hoje) subiram tão alto, que saíram do leito, ficando este a descoberto nalguns sítios. Não constava, porém, que a terra tivesse aberto fendas, onde quer que fosse, nesse ou noutros dias.
Repetiu-se segundo abalo de terra por mais dois minutos e, então, toda a gente saiu fora de casa, “xorando e pedindo a Deos misericórdia”. Organizaram-se procissões, encheram-se os confessionários (que se dispensaram nos lugares públicos), e as mesas da comunhão, a fim de “aplacar a ira de Deos, que parece não estar satisfeyta com a repitição de tantos terramotos” – comenta o padre cronista. Por seu turno, “o secular com sua justiça acudiu logo aos caminhos, para prenderem furasteyros que de Lisboa se ausentavão com robôs, de que fez bastante compoto”.
Estragos? Na muralha, da parte sul, no ponto em que já estavam muito arruinados os muros antigos, caíram “algumas pedras”. A Matriz, apesar de “excissiva grandeza e demarcada altura, de paredes velhas e muito antigas”, nada sofreu, acontecendo o mesmo aos Conventos da Saudação, São Domingos, São Francisco, da Senhora da Conceição e de S. João de Deus, bem como aos grandes edifícios particulares, não obstante terem sido fortemente abalados. “Em nenhum destes se experimentou perda ou ruína alguma, mais do que algumas fendas”. Na Igreja de Santiago apenas se arruinou o coro, segundo relato do próprio Prior Valentim da Costa Martins. No de S. João de Deus apareceram rachas, que logo se repararam.
Atribuiu-se o caso à intervenção de S. João de Deus, em cuja igreja abriu fenda na abóbada, que de novo se uniu, ficando mal a perceber-se. Estragos grandes verificaram-se na vila de Lavre, distante três léguas para o norte. Aí “se aruinarão a mayor parte de seos edifícios”. Também em Cabrela, distante quatro léguas para sul, “sendo quasi todas as suas casas térreas, muitas delas se abrirão”. Em Évora, distante cinco léguas a oriente, “também ouve ruína”.
Nenhum montemorense pereceu, mesmo os que se encontravam em Lisboa e Setúbal, afirma o cronista. Curioso notar que, no dia 2, se baptizaram, na Matriz, 13 rapazes e 4 meninas (Livro 35 dos baptizados, fl. 141 v.).
Quem maior efeito sentiu com o terramoto foram as fontes, que “suspenderão seo curso” durante o sismo. “Mas, passado elle, principiarão a correr, algumas como dantes, outras mais, outras menos, e algumas totalmente nada”. Neste número sobressaem as duas principais, junta da vila: “uma xamada Fonte de Torres, que, deitando agoa em abundância, ainda no intenso do verão dos annos mais secos, com a qual supria a falta de outras, à grande parte do povo, - agora nem só huma pinga tem em si, nem fazendo-se-lhe dikigência ao redor se pode achar”. A outra, denominada do Penedo do Corvo, “que regava, em o verão mais intenço, hum grande pumar”, ficou na mesma, sem água. Também secaram quase todos os muitos poços da vila. O chafariz da entrada para o Alentejo, Algarve e Espanha diminuiu sensivelmente: o das Fontainhas não forneceu mais pinga, enquanto o do Rossio aumentou o caudal.
Nos dias seguintes continuou-se a sentir novos tremores de terra, nem todos iguais, notando-se uns pelo estrondo, e outros apenas no tremor. Sentiu-se um grande, na oitava de Todos os Santos, das 4 para as 5 da madrugada, bastante intenso, mas breve. Após pouco tempo, repetiu-se um outro. No dia 15 à mesma hora, ainda mais um igual aquele, e a 20, das 3 para as 4 da madrugada, voltou um, que na intensidade pareceu exceder o de 1 de Novembro, sendo porém a duração de uns 2 minutos. Já a 8 de Fevereiro seguinte, das 4 para as 5 da tarde, mais outro, de pouca força e duração, tendo-se continuado a sentir mais.
Montemor-o-Novo, cuja população pertencia quase toda à freguesia da Matriz, que contava então 1329 varões e 1398 mulheres e mais 333 menores, que se confessavam, “porque os outros que não têm idade competente, os não arolamos e sam dobrados”. Acrescentando-se 179 de Santiago, dois de S. João e 252 de Nossa Senhora da Vila, temos o total de 3.826 habitantes. Não lhes faltaram géneros alimentícios mais que o açúcar, rareando as “mercadorias”, que sofreram grande alta de preços.
“Nem também ouve incêndio algum, nem ruína, nem morte de pessoa alguma”, termina o informador, que nada mais encontrou para contar.
Os anos foram passando, e o castelo foi-se degradando, sem que alguém de bom senso lhe acudisse, antes pelo contrário. No século XIX o castelo é dividido em talhões e vendido a agricultores pela Câmara Municipal, que incompreensivelmente, no segundo quartel do século XX, recorre a pedras do Castelo, carregadas de história, para encher os caboucos do Cine Teatro Curvo Semedo!!!
Mesmo bastante debilitado, o nosso Castelo, um dos maiores do país, com 1617 metros de extensão, foi classificado Monumento Nacional, através do Decreto n.º 38147 de 5 de Janeiro de 1951. Para que serve a classificação de Monumento Nacional desta herança de gerações, que faz parte da nossa História, se o Estado não mandou sarar as feridas abertas pela natureza, pelo tempo, e principalmente, pela incúria do homem? Ao classificar o nosso Castelo de Monumento Nacional, o Estado ficou obrigado à sua manutenção, e à preservação da sua integridade, logo, exige-se o relançamento do concurso internacional limitado por prévia qualificação para a elaboração do projecto de reabilitação do Castelo e do Convento da Saudação, lançado pelo antigo Primeiro Ministro Pedro Santana Lopes, e suspenso pela então Ministra da Cultura Isabel Pires de Lima.
Augusto Mesquita

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