Sempre com a cumplicidade do administrador do blogue, durante vários meses aqui fui “ postando “ os amores dos meus amigos em linguagem mais ou menos irónica. O objectivo era arrancar-lhes umas boas gargalhadas, ou um momento de nostalgia mais marcante, trazendo ao presente algumas situações do passado. Nunca, em nenhuma ocasião, esses amores aqui foram publicados, sem que primeiro passassem pelo crivo dos principais visados. Algumas vezes, poucas, tive que fazer alterações aos escritos iniciais para corrigir datas ou expressões, mas quase sempre foram publicados na forma original.
Agora, nesta segunda fase de colaboração com o blogue, vou iniciar uma curta série de crónicas ( quatro ou cinco, não mais ) em que falarei, não de amores, mas sim das vicissitudes, desgostos e desgraças dos meus amigos. E tomei a decisão de não lhes dar conhecimento prévio do que ia publicar. É um risco que vou correr, eu sei, mas desta forma, a adrenalina sobe muito mais alto. E se houver consequências chatas, cá estarei para assumir as responsabilidades. Portanto, mãos à obra, porque nesta cabeça estão estórias que podem ter algum interesse, acho eu. Pelo menos servirão para situar algumas vivências do Alandroal.
Esta passagem é dedicada ao Tói, o nosso historiador-mor. Com carinho e amizade.
Numa tarde de domingo, corria o ano de 1950, estavam três homens sentados em bancos de madeira ao redor d’uma mesa com um bicado de vinho e um pires de azeitonas. Bebendo e conversando à porta da taberna do Zeca.
Ali, defronte da Igreja de S.to António.
Ao lado, alguns metros ao lado, estava uma burra presa pela arreata, à argola chumbada na parede. Com os alforges cheios e pesados, o animal estava impaciente, raspando com frequência as ferraduras nas pedras da calçada, enquanto ia mordiscando as ervas que cresciam junto à parede. De repente, correndo, surge do lado dos celeiros, um rapaz de sete ou oito anos que, dirigindo-se a um dos três homens, tratando-o por avô, pediu um pirolito. O pedido foi satisfeito e veio acompanhado por um punhado de tremoços dados à laia de brinde pelo dono da taberna. Era um miúdo esgalgado, de pernas altas e magras que os calções deixavam à vista. Fraco de figura, mas com uma guedelha comprida, que lhe chegava aos ombros, coisa rara por essa altura, em que a moda eram os cabelos curtos e bem aparados no pescoço. Estava encostado à parede, entretido a atirar as cascas dos tremoços à burra, que rapidamente as sorvia. Com o intuito de ajudar, já que o animal tinha dificuldade em tirar algumas cascas das frestas da calçada, baixou-se em frente do focinho da burra. Esta, imediatamente o abocanhou pela cabeça e o sacudiu.
- Aqui del-rei .... alarme geral –
O sangue jorrava dos dois lados da cabeça do rapaz. Parecia um cristo. A burra, que tinha uma boca enorme, ferrou os dentes um pouco acima das orelhas e, não conseguindo esmagar porque o gaiato tinha a cabeça dura, na raspagem, arrancou couro e cabelo. “ Não há-de ter dúvida. Isto foi mais o susto “ – diziam todos. A verdade é que nunca mais cresceu cabelo no sítio em que a burra mordeu.
Passaram os anos e o rapaz, que nunca mais perdeu aquele ar esgalgado e manteve a fraca figura, começou a ver os amigos ir à saída da missa espreitar as raparigas, todos compostos e bem penteados, com brilhantina às carradas. Alguns até já tinham namorada e ele com aquela cabeleira solta e comprida que era motivo da galhofa das moças !
Fazer marrafa ao lado, nem pensar. Nem no lado direito nem no esquerdo. A risca atravessava sempre as peladelas provocadas pelas favolas da burra. A solução foi encontrada com a marrafa ao meio. Manteve os cabelos compridos, apartados através de uma risca longitudinal no alto da cabeça e com a gaforina a cair para os lados. Safou-se bem com esse modelo de penteado que, muitos anos mais tarde, viria a ser moda. Mas quando isso aconteceu já ele era careca.
Galhofa dos amigos à parte, que o chateavam chamando-lhe “marrafinha ao meio“, até conseguiu arranjar namorada. E é ela, agora sua mulher, quem guarda as fotografias tiradas durante o namoro, em que ele aparece sempre com a cabeça coberta, nas malandras passeatas pela escondidinha estrada do Pomarinho.
Ainda por aí anda. Sempre de chapéu ou boina. Reminiscências do tempo em que tentava esconder as peladelas, talvez.
Alandroal, 28 de Novembro de 2011.
Sean O’Flaherty D. Rivera Kerrigan
PS – “ Desculpa lá, pá, mas eu tinha que contar isto. “
7 comentários:
Já tinhas contado à da Lena
Quero acreditar que este "mimo" de escrita além de "não perder o seu epílogo (como nas bilharadas dizia Joaquim Salgado)merecerá todas as desculpas do acidentado "marrafinha ao meio".
Abraços para todos e para o autor.
Tói da Dadinha
Vá lá,vá lá ter sido só de raspão. Olha se o burro lhe come a cabeça lá se ia mais uma cabecinha pensadora.
Alguém sabe dizer se o Sr. Joaquim Salgado ainda é vivo. Oxalá ainda esteja entre nós.
Não pára, aquela cabeça. É obra !
Bela escrita!
Excelente "pena"!
Só te esqueces-te,quanto a mim, de um pormenor para descreveres o rapaz:a "perna arcada"
Ou será que há data tal pormenor ainda não era visível?
Será que foi,mais tarde,"moldado" pelo depósito da motorizada, entretanto adquirida, com a qual habilmente serpenteava pela vila (e arredores)para regozijo de pequenos e reprovação de maiores??
Vá lá saber-se.
Mas que lá está,está.
Abraço para o autor e para o "visado" também.
DINO.
Meu iгmão recοmendоu que eu pοssa сomo estе blοg.
Ele еstava totаlmente cеrto. Este poѕt realmente fez o meu dіа.
Você não pode imaginar o quanto tempο eu tіnha passаdo
poг estа іnformação! Obrigado!
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