sexta-feira, 28 de outubro de 2011

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA FM

Transcrição da crónica diária transmitida aos microfones da :http://www.dianafm.com/

Públicas Virtudes
Martim Borges Ferreira

Sexta, 28 Outubro 2011 10:40
Hoje vou falar de um tema que agrada sobremaneira aos portugueses. Bem, aos portugueses como a todos os seres humanos. O tema toca a vida privada ou a esfera íntima dos políticos. Melhor dizendo, dos homens que se dedicam à política ou que exercem cargos públicos.
Aqueles que me conhecem sabem que, durante algum tempo, pouco, exerci política de forma mais ou menos profissional. Antes, como então, sempre entendi que quem exerce esse tipo de actividade deve adoptar uma atitude de completa transparência face a toda a gente. Tratando-se de alguém que, por dever de ofício, está permanentemente exposto à opinião pública e publicada, então, o detentor de um cargo público, político ou não, é um exemplo. Para o bem e para o mal. Deveria ser um bom exemplo, deveria querer ser um bom exemplo, deveria estar e querer estar acima de qualquer suspeita, deveria ter um comportamento irrepreensível. Não, não se pense que venho para aqui apregoar falsos moralismos! Longe disso. Mas há um mínimo. E esse mínimo, ao contrário do que na realidade acontece, tem a ver com o carácter das pessoas. Hoje, mais do que nunca, distingo as pessoas pelas que têm e pelas que não têm carácter. Na minha esfera privada, dou-me com aqueles que acho que têm carácter. Com esses quero dar-me. Com os outros, não os desprezando – até porque também me posso enganar – não me dou, pura e simplesmente. Portanto, relativamente aos detentores de cargos públicos, contra a maré, sou dos que consideram que o seu carácter é passível de ser discutido em público e em política. Mas, em Portugal, discutir a vida privada dos detentores de cargos públicos é, já de si, tabu. Quanto mais discutir o carácter, essa insigne e intangível qualidade de que evidentemente todos os políticos gozam …!
Vem toda esta narrativa a propósito desta muito mundana ideia de que aos políticos e aos que comem – e comem há muito tempo - à mesa do Orçamento, se lhes deve retirar as regalias de que hoje, já depois de terem deixado de exercer a tal actividade pública, beneficiam. Devo dizer, para descanso de todos, que não beneficio nem poderei nunca beneficiar, em resultado da actividade pública que já exerci, de qualquer pensão ou benesse do Estado. Por isso, estou perfeitamente à-vontade para me poder manifestar completamente contra a ideia de retirar aos políticos e detentores de cargos públicos as regalias e benesses de que usufruem. Foram-lhes concedidas e foram-no e conformidade com o quadro vigente e com o contexto da época. Por princípio sigo, pois, a ideia segundo a qual “quem dá e tira vai para o inferno”. Melhor teria sido e seria (ainda estamos a tempo) tornar claro aos olhos de todos, isto é, tornar transparente aos olhos dos cidadãos, o que cada um ganha, usa ou usufrui do Estado em resultado do serviço que prestou ao país no cargo público que exerceu. Dir-se-á: mas isso daria voyeurismo! Talvez, talvez no início desse. Mas, a prazo, o que aconteceria é que aquilo que hoje é escandaloso deixaria de existir, até porque os próprios, os potenciais futuros beneficiários se encarregariam de travar, conter, a sua ambição, procurando antes tornarem-se no tal exemplo, bom exemplo, que deveria pautar toda a actividade pública, sobretudo a que é financeiramente suportada pelos contribuintes. Mas, por causa dos vícios privados, apenas a discussão das públicas virtudes é tolerada. O Governo de Portugal, talvez na vã esperança de obter alguma simpatia junto dos eleitores, “surfou” de certa forma a onda da demagogia ao ter anunciado cortes nas pensões dos políticos. Que as cortasse para o futuro, relativamente aos políticos do presente, até acharia bem. Que mostrasse tudo aos portugueses, óptimo. Fazer o que fez, foi apelar aos mais mesquinhos sentimentos do ser humano. Preocupantemente, não revela coragem. Sei que não estou a ser popular. Mas, também não o quero ser. Nem preciso de o ser. É isto que a liberdade nos dá: a possibilidade de podermos dizer os que nos apetece.
Lisboa, 27 de Outubro de 2011
Martim Borges de Freitas

Sem comentários: