segunda-feira, 24 de outubro de 2011

COLABORAÇÃO DR. JOSÉ ALEXANDRE LABOREIRO

Nota do Editor: porque se trata de um assunto actual e  a que todos diz respeito, e porque é uma verdadeira lição de história, aconselhamos a leitura do texto elaborado pelo Dr  Laboreiro

ÉTICA E CORRUPÇÃO

“É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disso. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados”
Miguel Torga (in Diário – volume IX)

Vem de tempos imemoriais, a anomalia social da corrupção: se nos lembrarmos da referencia bíblica da entrega de Jesus `oligarquia judaica, por trinta dinheiros, ou da alusão histórica do assassinato de Viriato (por traidores lusitanos), mercê da promessa de alta recompensa pelos generais romanos (que não viria a ser cumprida: “Roma não paga a traidores” – teria sido a resposta dos generais invasores aos sanguinários de Viriato, quando estes se prestavam a receber as mercês prometidas), ou se nos recordarmos das sátiras aos corruptos nas farsas vicentinas – que valeria a Gil Vicente a situação de cair em desgraça face ao Rei, por forte influência da oligarquia da época (século XVI) – afinal os visados nas denuncias do Mestre Gil Vicente. Hoje, os fenómenos da corrupção, envolvem maiores valores financeiros, e são planeados em função de processos mais sofisticados.
Luís de Sousa (in: “Corrupção”) salvaguarda: “Entende-se em geralmente por corrupção o abuso de funções por parte de eleitos, funcionários públicos ou agentes privados, mediante promessa ou aceitação de vantagem patrimonial ou não patrimonial indevida, para si ou para terceiros, para prática de qualquer acto ou omissão contrários aos deveres, princípios e expectativas que regem o exercício do cargo que ocupam, com o objectivo de transferir rendimentos e bens de natureza decisória, pública ou privada, para um determinado individuo ou grupo de indivíduos ligados por qualquer laços de interesse comum”.
A corrupção manifesta-se- num vislumbre empírico – de impacto variegado: a corrupção esporádica (de baixa frequência) e reportando-se a baixos recursos); a corrupção estrutural ou cultural (emergindo com frequência e de baixos recursos – a que por vezes, está ligada a arte muito portuguesa do “ desenrascanço”; recorrendo a favores de um parente ou amigo); a corrupção politica (de alta frequência e de elevados recursos, com meios muito sofisticados – envolvendo não só o corrupto activo e o passivo – mas também uma série de mediadores e activos periféricos, com funções de branqueamento e camuflagem: caso do financiamento politico de partidos e candidatos); e a corrupção de “colarinho branco” (envolvendo quantias avultadas e mediante o recurso de mecanismo de troca sofisticados e mesmo transnacionais – numa permeabilidade de política e mercado: seria o caso dos “sacos azuis”).
Entre nós corre-nos nas veias um certo laxismo cívico perante a corrupção (em sequencia do nosso pouco interesse pela politica pelo associativismo, pela cultura): malefício social tão bem analisado por Antero e Junqueiro, e que criaria fortes raízes em finais do séc. XVI (com a entrada da inquisição em Portugal) – e que redundaria no afundamento moral do País (que o Marques de Pombal, apesar dos esforços, não conseguiu inverter); e culminaria nos abusos éticos da alta oligarquia endinheirada do séc. XIX, a conquistar favores ao Estado (desde títulos nobiliárquicos, a monopólios do tabaco, do açúcar, do sabão, de lugares para “Par do Reino”) crescendo no mundo da politica mas afundando o país e a Monarquia; de nada valeram as reacções da “geração de 70” (Antero, Eça, Batalha Reis, Oliveira Martins e outros); de nada valeu a subversão do “31 de Janeiro” – no Porto contra a inacção do Rei; de nada valeram as palavras de Herculano (obrigado a auto exilar-se desiludido); bem como de nada valeram os “Ensaios” de António Sérgio no período do Estado Novo (censurados, proibidos) – estado de espírito português (o da inacção) tão bem reflectido nos textos de exílio de Jorge de Sena (como o já fora constatado na “Carta de Bruges” enviada pelo Infante D. Pedro ao Rei D. Duarte, ou no “Verdadeiro método de Estudar” de Luís António Verney. Ou nos poemas de Sá de Miranda e de Camões); hojr , encontramos lamentações em Eduardo Lourenço, José Gil, Miguel Real – como havia sido nos poemas de Alexandre O´Neil. De facto, a nossa cultura proporciona a que “os portugueses escolham fazer mais do que a lei permite e menos do que a ética exige” – como constata Luís de Sousa. E que entre nós (trauma vindo da Inquisição e acentuado no Estado Novo) confunde-se o dever cívico da denuncia (da corrupção) com a acusação arbitrária, caluniosa ou difamatória: no receio de ser conotado com os “bufos” do Tribunal do Santo Ofício ou do Tribunal da Boa Hora. E certo que há o receio das represálias, da falta de apoio jurídico e da falta de seguimento do “reparo” por parte das autoridades.
Há, que contudo, criar condições ao emergir da confiança cívica em caa um de nós: e o papel dos “media” na viragem de mentalidades e na formulação de opiniões sobre a corrupção é fundamental (sobretudo a Televisão que abrange maior audiência . abandonando a constância do entretenimento para privilegiar a formação de consciências – que nos conduza a uma lucidez que nos permita a conexão dos factos e a inteligibilidade das situações – com recurso a um jornalismo de pesquisa. “Em Portugal, tal como noutras democracias europeias, o exercício da cidadania está assente no acesso à informação, mas anda longe de ser uma cidadania do conhecimento”, diz-nos Luís de Sousa ainda.
Francisco Louça (in Portugal Agrilhoado) denuncia que os nossos comentadores políticos, os habituais convidados dos órgãos de comunicação social, constatam as situações do País (económicas, sociais, culturais) – afinal uma verdade redundante, pois é sentida pela maioria dos Portugueses; simplesmente, não comentam as causas reais e verdadeiras (descendo ao passado que lhe está subjacente e que despoletou s situações: incluindo a corrupção). A corrupção é um problema ético, moral – e a ética está na base e é transversal à tríade Liberdade, Igualdade, Fraternidade (a razão de ser da Republica – como acentuaram António Sérgio (nos seus “Ensaios”) e António Arnaud – (in – Rosto da Memória).
Frisa o nosso Povo que “o exemplo vem de cima”, a este propósito denuncia Luís Marques Mendes (in Correio da Manhã): Há anos que Portugal abdicou da cultura do exemplo: Com facilidade promete-se e não se cumpre, fala-se mas não se faz, apregoa-se a ética mas pactua-se com a imoralidade, advoga-se o mérito mas pratica-se a cunha, cultiva-se o discurso contra a impunidade para depois fechar os olhos a quem atropela a legalidade…
Se de cima vem um mau exemplo, ele contamina toda a sociedade…
Vale mais (o bom exemplo) do que as melhores leis que se aprovam e que os discursos mais empolgantes que se fazem”.
Basta de Portugal “de plástico para ficar mais barato” – de que nos falava Alexandre O`Neil.
José Alexandre Laboreiro

Transcrito do mensário Folha de Montemor (Outubro 2011) com a devida autorização do Autor

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