sexta-feira, 23 de setembro de 2011

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA FM

Transcrição da crónica diária transmitida aos microfones da :http://www.dianafm.com/

 Limitar é Promover
Martim Borges de Freitas

Sexta, 23 Setembro 2011 10:23
Neste incerto Verão, passaram-se muitas coisas. Havendo umas mais importantes do que outras, sobre todas haveria qualquer coisa para dizer. Escolhi uma: a do abandono da revisão contitucional em profundidade.
Tem-se vindo a tornar cada vez mais óbvio que a Constituição da República Portuguesa é um travão ao desenvolvimento e à prosperidade do país. De facto, a Constituição não tem ajudado o país nem a encontrar um rumo para o seu desenvolvimento nem sequer a fazer com que os cidadãos portugueses se consigam nela rever. Primeiro, porque raras foram as pessoas que a leram; segundo, porque a Constituição da República Portuguesa, como garante de um conjunto enorme de direitos, na realidade não só não os garante como até os restringe. Estar inscrito na Constituição que todos os portugueses têm direito a Habitação ou a Educação, não só não garante aos portugueses que as tenham como, pelo facto de a Constituição garantir direitos sem garantir o seu respectivo exercício, torna a Constituição num rol de objectivos para o país, numa espécie de programa mais até eleitoral do que de Governo.
Foi o PSD, de acordo com as conclusões do seu último Congresso, que colocou a revisão da Constituição na ordem do dia e como prioridade. Tendo-se estado a discutir ao longo de 2010 e 2011 o país e a governação como há já bastante tempo não se via e apesar de o debate em torno de uma revisão constitucional não apaixonar praticamente ninguém, julgava eu, no entanto, que valeria a pena aproveitar o momento para se discutir em profundidade a Constituição da República Portuguesa e, através dela, perspectivar o futuro de Portugal. Evidentemente, deveria este debate começar por balizar a própria natureza da Constituição, isto é, por saber se deve continuar a ser, ou até ser mais ainda, um conjunto de orientações programáticas e de direitos e objectivos a alcançar no futuro ou, pelo contrário, apenas o conjunto dos direitos, liberdades e garantias (a que devem corresponder deveres) cujo exercício pode já ser, no presente, efectivamente assegurado aos cidadãos.
Mas, a velha ideia de que tudo ou quase tudo é constitucionalizável, até as coisas negativas, tem prevalecido - mesmo depois do abandono da revisão constitucional. Se até agora a tese preponderante era a de que é preciso acrescentar mais direitos aos direitos já constitucionalmente consagrados, independentemente, pois, de haver ou não condições para, já no presente, poderem vir a ser exercidos, apareceu agora uma tese nova, parece-me que importada, segundo a qual é preciso constitucionalizar coisas negativas, como por exemplo, o o limite para o défice das contas públicas, o limite para a dívida pública e também o limite para o endividamento externo.
Enquanto o debate sobre a necessidade de uma Constituição mínima não se fizer seriamente, fazer incluir novas constitucionalizações só servirá para sustentar o discurso político. Aceitar que a Constituição da República Portuguesa contenha limites ao endividamento (público e/ou externo) ou ao défice das contas públicas é, por si só, aceitar como uma fatalidade a sua existência. Para mim, a Constituição da República Portuguesa para além de dever ser mínima, não deve conter normas que admitam conceitos contra os quais estamos. Se não queremos mais endividamento nem défices das contas públicas, não devemos querer que se constitucionalize a sua existência. Aliás, constitucionalizar limites sobre estas matérias é, paradoxalmente, renunciar à tolerância zero quanto à má utilização de dinheiros públicos, já que, por exemplo, no dia em que houver superavit nas contas públicas, se estiver constitucionalmente consagrado que se pode ter um défice de 3%, então isso significa que haverá um estímulo constitucional ao aumento da despesa pública.
Mas, se se quer introduzir limites deste tipo na Consituição, porque não introduzir a norma do “limite zero”? Limite-se a zero, proiba-se mesmo, qualquer novo endividamento e novo défice. Afinal de contas, não é isso que está a ser pedido aos portugueses?
Lisboa, 22 de Setembro de 2011.
Martim Borges de Freitas

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