Os Amores dos Meus Amigos
O Benjamim andava triste !
E logo naquela semana em que, finalmente, conseguira que a gerência lhe aumentasse o ordenado para o mesmo nível que os restantes motoristas; tanto que o Benjamim insistira para que o seu ordenado fosse equiparado ao dos outros companheiros de trabalho e, logo agora, que conseguira essa proeza - porque de uma proeza se tratava, e eu já explico porquê - andava macambúzio e mal disposto, chegando a ser malcriado para aqueles que o cumprimentavam pelo aumento.
( A proeza era porque motorista negro não ganhava o mesmo que motorista branco. Não entendíamos porque, executando o mesmo serviço, ele ganhava menos do que eu. ) Coisas do colonialismo.
O motivo da tristeza era outro, eu sabia o que se passava na cabeça dele - e no coração - , mas não queria revelar os motivos que o levavam a ser tão desatencioso para quem com ele se preocupava.
Trabalhámos juntos mais de seis anos, e, atenção, espero a visita dele no dia do almoço dos chícharos.
Convém dizer que esta estória de amores e desamores se situa num ano muito conturbado : 1966.
E o cenário não era menos problemático : Luanda, Angola.
Embora o regime que por essa altura nos governava dissesse que tudo estava bem, nós, eu e o Benjamim, sabíamos que assim não era; trabalhávamos no aeroporto e prestávamos serviços, embora como civis, à Força Aérea Portuguesa, e bem reparávamos como, diariamente, os caixões com os militares portugueses mortos na colónia eram embarcados; por vezes eram às dúzias; e sempre embarcados de noite, como que a fugir ao dia e ao conhecimento.
Bem .... não é para falar dessas tristezas que aqui estamos. As nossas tristezas e alegrias d'hoje são apenas os amores de Benjamim Duque de Bragança Milongo. Assim é o seu nome completo. Juro !
O meu amigo Benjamim, era mestiço. Era um mulato com um metro e oitenta de altura, peso a condizer, olhos grandes e uma carapinha que punha as miúdas do Bairro da Samba com a cabeça à roda. Não conheci nenhuma que não olhasse para ele sem segundas intenções. Em seu redor havia sempre uma mulher que o olhava com ares atrevidos. E das três cores do selo de povoamento : Pretas, brancas e mestiças. E eu, branco deslavado, sem cheiro que se cheirasse, aproveitei a aura dele e andei na farra, com as suas atreladas, de merengue em merengue .... meses a fio .... ali pelas praias do Bispo e da Corimba.
Foi um fartar .... pessoal !
Até que apareceu a Franciska. ( não é gralha .... é assim mesmo .... Franciska com kapa )
Apareceu a trabalhar no aeroporto. Vinha do outro lado da cidade, do Bairro Operário.
Convém apresentá-la melhor para se entender que a paixão avassaladora do Benjamim não era apenas sentimento, eram também sentidos. Aqueles sentidos que ele tinha sempre latentes :
Vamos colocar a descrição entre aspas para que fique registada com toda a beleza que ela merece.
« Era uma negra alta, não tão alta como o Benjamim, mas quase. Queixo erguido Trazia o cabelo penteado em finas tranças, de filigrana pura, presas à cabeça com ganchos e pequeníssimas missangas a alindar. De uma das orelhas, pendia um longo brinco de tambaque que lhe tocava no ombro; na outra orelha, assim como que colada ao lóbulo, apenas uma pedra negra, tão negra como a sua pele e também tão brilhante. Olhos aveludados, pestanudos, nariz direito e boca de lábios grossos, sensuais. Dentes grandes e brancos, prontos a morder. Longo pescoço. Peito atrevido, arrebitado, sem precisar de soutien. Barriga fina, lisa, plana. Pernas de tenista; musculosas, mas femininas, cobertas com uma quase invisível penugem. Pés grandes, pés de quem andou descalça durante grande parte da sua vida. »
Fim de descrição.
Ah .... convém ainda dizer que do seu guarda roupa apenas constavam mini-saias e t'shirts.
Pronto, está apresentada a mulher que deu volta à cabeça do meu amigo. E quando se cruzaram, passou por ele como se ele não existisse. Não lhe ligou nenhuma.
Ele rogou a atenção dela ; e ela olhou para o outro lado.
Pediu ao amigo Maninho para tipografar um cartão em que lhe pedia namoro; num canto sim, noutro canto não ; e ela, no canto não, dobrou.
Pediu ainda à avó Chica, kimbanda de fama, um feitiço forte e seguro; e o feitiço falhou.
Desesperado, andou perdido - de amores, copos e alguma liamba, acho eu - ali pelos morros da Samba.
Até que chegou ao baile do Sr. Januário, no Bairro Operário. Bairro de moças bonitas, como é sabido.
E num salto maluco atravessou a sala, com a Franciska nos braços, e a malta gritou : "Aí .... Benjamim !"
Mas essa parte já todos conhecemos. O Sérgio Godinho encarregou-se de nos cantar isso muito bem.
Sean === Junho de 2011
PS === Esta crónica é uma homenagem a Viriato da Cruz. Foi ele o autor do "namoro" que o Sérgio Godinho tão bem musicou. Foi militante do MPLA. O outro MPLA, não este que hoje governa Angola.
Sem comentários:
Enviar um comentário