Al Tejo permite-se chamar a atenção para a leitura "obrigatória" deste texto.
Os Valores de Abril
« A máquina da História, que fabrica// os dias do futuro// com a sucata das horas do presente,// alimenta-se de ecos, de palavras,// de vozes fátuas, de melífluos cantos,// do bafo morno das gargantas pródigas// em bordados, em rendas, em matizes.»
António Gedeão – (in Poema da Praça Publica – 1990)
Sofia de Mello Breynner – a propósito da Revolução de Abril – fez a seguinte referência: “Para que uma revolução vença realmente não basta que conserve o poder: é preciso que seja amada. Só a revolução amada é a revolução é a revolução democrática: Mas a revolução só é amada quando não emprega a violência”. Ora a Revolução de Abril – apesar de acreditar-mos que foi bem aceite pela esmagadora maioria dos portugueses – tem, contudo, sido objecto de ingratidão (por carência de objectividade e falha de memória) por parte de grande número de cidadãos da pátria lusa. É que Inês Pedrosa (in Expresso) fez eco de opinião sobre o Portugal Abril, por parte de uma amostra social julgada idónea – constante de um inquérito realizado recentemente tendo a conclusão das respostas fornecido a contestação de que “estamos pior do que antes do 25 de Abril” (isto para cerca de 50% dos inquiridos).
Esquecem que, no âmbito da Assistência, desde os primeiros anos pós Revolução de Abril, a Educação é maioritariamente gratuita (deixando de ser privilégio para abastados, para seguir a filosofia educacional da formação de cidadãos conscientes e participativos): abandonando a filosofia pedagógica do Estado Novo (assente na memorização e na passividade), a Revolução de Abril abriu portas à criatividade, ao diálogo, ao enriquecimento espiritual, ao alargamento de fontes culturais, à expansão de bibliotecas, do livro e da leitura, à divulgação do Teatro e das Artes Plásticas, à criação de orquestras regionais de musica erudita, à liberdade de expressão e de escrita (nunca antes se editaram tantos livros).
Um caso curioso na opinião dos inquiridos, no estudo de sondagem que vimos referindo, é que mais de 80% das respostas vão no sentido de a responsabilidade do sucesso (ou insucesso) de uma empresa, pertencer ao patrão; porém por outro lado – a maioria dos inquiridos mostra-se indisponível para lançar um negócio próprio, considerando central a segurança no emprego (esquecendo, contudo, os grupos alentejanos que, no antigo regime, deambulavam pelas portas a pedir auxílio – por se encontrarem desempregados, sem subsídios ou pensões; ou as centenas de milhar que emigravam para a Europa desenvolvida, ou para as Américas, à procura de subsistência: sofrendo calados as agruras das circunstâncias).
Igualmente os inquiridos achavam a Justiça antigamente mais expedita: certamente não pensando na Justiça elitista do antigamente, ou na rapidez e eficiência dos Tribunais Plenários.
É curioso que mais de 90% mostra um certo desprezo pela classe política, mais de 70% não se mostra disponível para intervir civicamente: o que mostra o nosso temperamento passivo, apático, dependente do poder, timorato e não responsabilizador (talvez providencialmente à espera do “Rei encoberto” que nos virá salvar). Como se revolverão nos túmulos, os nossos heróis de Aljubarrota, das Guerras da Restauração, os liberais do Cerco do Porto na resistência aos miguelistas, ou os revoltosos da Rotunda no 5 de Outubro…? É certo que a Democracia dá mais trabalho que a ditadura: mas a Democracia é mais consentânea com a inteligência do ser humano: na qualidade de ser livre, que pensa, que se desenvolve física e espiritualmente, consciente, actuando responsavelmente. Temos uma Constituição Política democrática, moderna e aprovada livremente pela quase totalidade dos deputados constituintes – que nos permite escolher os governantes (quer ainda a indigitação – através dos partidos, sindicatos, movimentos cívicos, associações; ou ainda a sua legitimação através de eleições livres).
É certo que, como Gedeão diz no poema, a Democracia não corre bem quando assenta nos “sound bites”, na mera publicidade (cartazes, televisão, “marketing” político), na mera exteriorização da figura do politico. Mas, constitucionalmente, podemos exigir programas políticos autênticos, intenções de actuação, filosofias politicas sérias; e analisar estes planos de intenção: e depois procedermos em função da nossa consciência – podendo escolher os candidatos, ou votar em branco (como José Saramago nos lembra no seu “Ensaio sobre a Lucidez”).
Mas, até este direito nos trouxe a Revolução de Abril: o de participar na Democracia – na Associação, no Sindicato, na Imprensa livre, nas eleições para os Órgãos de Soberania; em Liberdade.
José Alexandre Laboreiro
(Transcrito com a devida autorização do Autor do Jornal Folha de Montemor – Edição Maio 2011)
1 comentário:
Magnífico texto. Estão de parabéns o autor, o jornal que o publica e o blogue, evidentemente.
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