sexta-feira, 18 de março de 2011

VASCULHAR O PASSADO - POR AUGUSTO MESQUITA

Horta do Chafariz do Pocinho, Horta de D. Afonso, Horta da Janelinha e Chafariz do Pocinho - Quatro pérolas do Rossio

A Horta do Chafariz do Pocinho
Ficava situada no arrabalde da vila, ao fundo do Rossio e sobranceira ao chafariz que lhe deu o nome, na berma da antiga Estrada Real de Évora.
Foi da família Pratas, no reinado de D. João V (1706-1750), que a transformaram em local de vilegiatura e recreio.
O portal de entrada é majestoso e pitoresco, nos seus volumes e desenho de feição populista, meio rural meio erudito. Colocadas por baixo, subsistem duas tabelas oblíquas, de estuque, opulentas e decorativas, e no eixo, nicho marmóreo.
A primitiva imagem que o aformoseava, desapareceu em épocas modernas, para dar lugar a uma incaracterística estatueta feminina, profana, de barro cozido.
No pátio levantava-se outro trabalho artístico que consagra o elevado nível oficinal dos mestres alvanéus e estucadores alentejanos de setecentos, moldado na tradição arquitectónica de fim do barroco e inícios do rococó. Compõe-se de fonte e nora dispostas na mesma linha do pórtico, aquela apilastrada discretamente, mas engalanada por frontão com enrolamento, de volutas, palmetas, conchas, óvulos e cabeça de anjo sotoposto à inscrição de mármore branco, guarnecida de aletas, onde se lê:
ESTA OBRA / MANDOV FAZER / MANOEL CAETANO PRATAS / ANNO / 1744
No espaço antes ocupado pela Horta do Chafariz do Pocinho, foi construído o loteamento da Quinta da Nora, projectado pelo Arquitecto Mário Breia.

A Horta de D. Afonso
Situada no Rossio, defronte da Horta da Quinta do Pocinho, amurada com o Chafariz Municipal, tem casario antigo, do milésimo seiscentista e
foi pertença das famílias Salema, Romeiras, D. Diogo de Sousa Botelho, e de Joaquim Falcão Marques dos Santos, cujos herdeiros a doaram à Santa Casa da Misericórdia de Montemor-o-Novo.
A casa solarenga, principiou a ser restaurada com intenção monumental, na década de 1940, sob o risco do arquitecto portuense Amílcar Pinto, mas ficou incompleta, e o edifício abandonado com parte primitiva, e os acrescentamentos exteriores do arranjo moderno.
Do conjunto ecléctico, conservou algum interesse arquitectónico, o pavilhão voltado para a antiga estrada real, de linhas direitas, apilastradas, portais e janelas de granito, com vestígios de modilhões rústicos e grades de ferro batido.
O corpo angular, foi aumentado com cobertura elevadíssima de quatro águas, e construída nova entrada de alpendre suportado por duas colunas toscanas; no mesmo prolongamento ocidental, subsistiu, embora retocado, o antigo portão da horta, brasonado, com escudo marmóreo, partido, de formato ovóide e setecentista, das três faixas veiradas dos Vasconcelos, e as nove estrelas metidas em bandas, dos descendentes de Francisco Barros. Timbre de leão rompente, coroado.
Na face de horta escaparam algumas partes primitivas, como a pitoresca escadaria do pátio, sobre arcada de alvenaria, de feição irregular, e a volumosa chaminé de cabeça arredondada, revestida, nas ilhargas, por medalhões neoclássicos, flóricos e rematadas, na face posterior, por pequeno campanil. Internamente, a sala correspondente, de grandes proporções, tem lareira majestosa suportada por quatro fustes dóricos, de mármore branco.
Noutra dependência – talvez antigo oratório – subsiste uma composição parietal da “Virgem”, pintada a fresco ou cola, e de impossível classificação.
Recolhidos no velho solar, vêem-se mais quatro escudos de armas, marmóreos, um igual ao da entrada da horta – dos Vasconcelos de Barros, outro, quinhentista, dos Mascarenhas, condes de Santa Cruz, alcaides-mores de Montemor, peça de merecimento, antiga chave de abóbada, ainda dentro da tradição heráldica peninsular, ao balon, esculpido num grande disco orlado de cordame e belo paquife nascendo de elmo timbrado como em leão rompante, em baixo relevo.
A Santa Casa da Misericórdia, aguarda comparticipação do Estado, para adaptar este amplo espaço, à vertente social, nomeadamente o apoio a crianças e jovens.

Horta da Janelinha
Nas ruas da horta, subsistem, do tempo do seu esplendor, latadas, alegretes, janelas e portais decorados, e um caramanchão de bancos de repouso, de alvenaria, protegidos por pano mural de dois painéis coloridos, de temas pastorais, paisagens e arquitecturas de inspiração oriental, do período pré-romântico, de c.ª de 1820.
Sobranceiro fica o antigo Vale de Corvos, onde havia um ferragial do Mosteiro da Saudação, aforado em 1720 a Manuel Dias e no ano de 1783 a Manuel da Costa Pratas.
Quem se deslocar até à fidalga Janelinha, pode observar as frondosas árvores de tão apetitosa sombra e ouvir a água cantante, que ao sair da poética nora, se dobra reverente, e se estende ao largo, a refrescar o arvoredo e as mimosas culturas hortícolas ou os jardins, que lembram os carinhos que outrora lhes eram dispensados.
Abeirámo-nos da fonte, enriquecida com painéis de azulejo, onde se podem ler composições como esta:

Meu S. João pequenino
Que com Jesus vai brincar
Dá o teu nome a esta fonte
De água vivinha a cantar.


Afirmam que S. João
Está no céu. Afirmam mal
Está dentro do coração
Do povo de Portugal.


Dentre todos os eleitos
É S. João o maior.
Apenas tem um defeito
Não ser cá de Montemor.

ALFREDO MARIA

Sem dúvida que um mundo de encantos juvenis e gratas recordações se escondem por detrás destas poesias.
Noutro local depara-se-nos novo painel de azulejo, representando a encantadora figura de S. João Baptista encimando esta quadra, também assinada:

S. João quando nasceu
Altos destinos trazia
Que dita por Amigo
O Filho da Virgem Maria.

EUFRÁZIA

Subindo ao terrado que rodeia a poética nora da Quinta da Janelinha, novo painel nos surge eloquente e fidalgo.

Lá porque ando em baixo agora
Não me negues tua estima
Os alcatruzes da nora
Não andam sempre por cima.

SILVA TAVARES

Chafariz do Pocinho
A fonte pública, encostada ao murete antigo da Horta de D. Afonso, decorada por sete torrinhas piramidais, encontra-se em plano muito inferior ao nível da antiga estrada real, e é protegida por altos suportes de alvenaria.
Tem taça para cavalaria, de pedra, rematada de volutas com enrolamento e, nos lados bancos para repouso de caminhantes. O frontão, triangular, ladeado, nos acrotérios, por discos escaiolados, populares, ostenta, no eixo, o brasão da vila (igual ao actual), de forma ovulada e de mármore branco, aparentemente de alvores do séc. XIX. Sotoposta existe lápida cronografada:
CÂMARA MUNICIPAL / 1867
O chafariz foi deitado ao abandono, e actualmente, está transformado numa autêntica lixeira…

Augusto Mesquita - Março 2011

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