terça-feira, 29 de março de 2011

COLABORAÇÃO - DR. LABOREIRO

Sociedade e Cultura

«Querer liberta; porque querer é criar; é isto o que eu ensino. E não deveis aprender senão para criar! »
Friedrich Nietzsche
(in: “Assim Falou Zarustustra”)

Quem não vivenciou a situação de frustração quando, na escola, a matéria que era suposto aprender se lhe enformava morta – qual amontoado de realidades desprovidas de interesse que em nada se identificavam com a sua própria vida? Ora, aqueles, que em tempo de escola foram marcados por tais experiências, descobrirão a riqueza da nossa cultura mais tarde – abrindo os olhos de pasmo e sofreguidão; estupefactos pela circunstancia de mais cedo não ter descoberto que o estudo da Historia torna compreensível a sociedade, que a grande Literatura não é uma árida matéria de cultura geral, mas uma forma de magia que, como diz Carl Sandburg, encarna um eco que convida uma sombra para dançar.
A realidade mostra-nos que são cada vez mais as pessoas que foram participantes de semelhantes experiências; isto, devido ao facto de o nosso saber se encontrar em plena transformação e o nosso sistema educativo vivendo uma plena crise. Assim. A antiga matéria cultural parece afigurar-se-nos estranha - qual cristalização em fórmulas bizantinas; por outro lado, os próprios profissionais da cultura apresentam-na com pouca (ou nenhuma) convicção. Porem , temos assistido – felizmente – ao reatamento do diálogo com o nosso saber cultural a partir de um novo espaço circunstancial e estratégico (mesmo com a cultura antiga; lembrando os métodos pedagógicos do ensino das línguas clássicas com Virgílio Ferreira, as encenações de Paulo Quintela para o teatro grego; ou até os processos literários encontrados por Dan Brown para nos atrair ao passado longínquo).
O facto é que as pessoas apenas podem apropriar-se do saber se este tiver um significado para elas; aqueles que, embora sintam a necessidade de enriquecer a sua vida pelo acesso ao saber cultural, e de chegar a participar no diálogo da civilização – o consigam.
Hoje em dia, antes de a criança aprender a ler, já vê televisão. Isso cria um problema, visto que a cultura continua a depender dos livros ou, no mínimo, dos textos que lemos no ecrã, e isto quer dizer da escrita. Para alem do mais, embora na televisão predomine a comunicação oral, ou simulada, entrelaçada com o “médium” da comunicação (gestos, voz, linguagem corporal, etc.), a criança irá ser mais enriquecida no sossego espiritual num contacto com o livro que a “agarre”( leiam-se as mensagens das crianças das escolas a Luísa Ducla Soares); bens que o imediatismo, o facilitismo da televisão (lembrando que os “vícios” da televisão apontados por Mário Castrim e Corregedor da Fonseca, se mantém em grande parte) não proporcionam. A grande revolução da expansão do pensamento deu-se com o aparecimento da Imprensa e mesmo nas religiões mais evoluídas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) o sentido era equiparado à escrita – com o Talmude, a Bíblia e o Corão (apenas a transformação da linguagem falada em escrita torna palpável a categoria do sentido).
E não nos referimos só ao Livro; registamos igualmente os jornais e as revistas – lamentando o desaparecimento, nos nossos jornais, dos suplementos culturais (que incluam contos, poesia, ensaios, reportagens. “cartoons” - que acresciam recensões, relatos de exposições de artes plásticas, criticas de teatro, cinema, musica e televisão, referências Ciência e à Educação, notícias de jogos florais – enfim um hino `Cultura e a promoção cultural):; apenas, creio eu se mantendo um quinzenário dedicado ás Letras e ás Artes (o JL - Jornal de Letras) e algumas(diga-se de bom nível) Revistas de Cultura.
Dietrich Schwanitz (in “Tudo o que é preciso saber”) refere que os “críticos mantêm com os escritores uma relação de parentesco muito complicada que, não raras vezes, traz todas as marcas de um violento ciúme fraternal”.
É certo , que embora havendo críticos que interiorizam um escritor frustrado (e daí o ciúme), outros críticos haverá (estou lembrado do trabalho de Georges Orwell na imprensa londrina) que com críticos e publicistas e com escritores fazem recensões, reportagens, ensaios, crónicas: convidando ao pensamento, à formação da mente, à aculturação (tendo como referência essencial a clara certificação da verdade) e por isso os ingleses têm Orwell como um dos seus homens do pensamento.
É que a cultura não é já uma flor a ostentar na lapela, ou passível apenas de ilustrar um discurso preenchendo citações; antes constitui um alicerce do progresso e do desenvolvimento das sociedades e mesmo um dos pilares identitários dos povos - como refere Manuel Maria Carrilho.
Assim pense também, o nosso Sistema Educativo e alguma da nossa Comunicação Social.
José Alexandre Laboreiro

(Texto publicado na Folha de Montemor. Março 2011 e transcrito com a devida autorização do Autor)

1 comentário:

Anónimo disse...

Mais do que verdadeiro!,elucidativo,educativo e brilhante... Seria extraordinário se 25% da nossa sociedade, assim pensasse...
Um abraço,
HOMERO