No dia seguinte realizou-se o funeral. Regressámos a casa nessa mesma tarde. O meu pai levou algumas horas a convencer os restantes parentes a dividirem entre eles a herança do tio Rufino. Apenas se interessou por algumas velhas fotografias dos meus avós. Ficou combinada uma outra visita para tratar de assuntos legais. Era, manifestamente, uma situação muito dolorosa para todos eles; acho, até, que foi a minha presença que impediu cenas dramáticas. Todos eles sabiam o que eu pensava sobre os regimes que governavam os dois países ibéricos e alguns até tinham conhecimento da actividade clandestina que, por essa altura, eu já desenvolvia. Aliás, a atitude dos nossos parentes espanhóis foi bem clara no momento das despedidas. Fui eu a única a receber beijos e abraços. Para o meu pai reservaram alguns secos e rápidos apertos de mão.
Com o passar dos anos, o meu pai, que nunca tinha sido muito comunicativo, ficou ainda mais triste e sorumbático.
Quando fui presa, pouco antes da revolução de Abril, tive dele todo o apoio possível; já velho, visitava-me com frequência; ainda mexeu uns cordelinhos para me libertar, mas isso apenas serviu para ele confirmar a pouca importância que tinha no regime que sempre servira.
Ainda tentei arrastá-lo para a rua no 1º de Maio de 1974.
Não consegui.
Mas quando cheguei a casa, já alta madrugada, ainda estava a pé. Disse-me que tinha aberto uma garrafa de champanhe, mas como eu me demorara, o champanhe aquecera.
Foi bebido quente.
Eu ia lá perder a ocasião de beber champanhe com o meu pai no dia 1º de Maio !
Morreu em 1985.
Pediu para ser enterrado ao lado do irmão.
E lá está.
Em Cheles.
Unidos na morte; como nunca o estiveram em vida.
FIM
(A partir de hoje esta história está disponível na totalidade em http://alsul.blogspot.com//)
1 comentário:
Uma história bastante interessante, de outros tempos, complicados.
É preciso coragem para contar uma história dessas. Parabéns.
Espero por outras do mesmo nível.
Martin
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