quarta-feira, 23 de março de 2011

=== CHELES === (2º episódio - continuação do dia anterior)

Mas, entretanto, chegava o ano de 1936 e a guerra civil espanhola; aí, confessou mais tarde, muito mais tarde, cometeu o seu primeiro grande erro; fez parte dos " Viriatos ", voluntários portugueses que foram em auxílio do general Franco; por lá andou durante quase dois anos, lidando com a mais moderna tecnologia aeronáutica germânica, pois como se sabe, os alemães também vieram em auxilio dos nacionalistas espanhóis, nomeadamente com várias esquadrilhas de aviação que ficaram conhecidas como Legião Condor ( O bombardeamento da cidade de Guernica foi um dos crimes cometidos por essa tal Legião Condor - Pablo Picasso soube imortalizar essa acção quando pintou o quadro, com o mesmo nome, que actualmente se encontra exposto no Museu do Prado, em Madrid ). Voltando ao meu pai : Quando se justificou, a minhas instâncias, muitos anos depois, disse-me que em Portugal nunca teria tido acesso ao que de mais moderno se produzia nesse campo, na medida em era a Alemanha que levava a palma, por essa altura, na construção de aviões. Mas tinha cometido, a meu ver, um erro mais grave : Já durante a 2ª Guerra Mundial, acompanhou, como voluntário, a Divisão Azul, quando os espanhóis decidiram ajudar os alemães no cerco a Leninegrado.
Foi quando nós, eu e ele, estivemos de costas voltadas durante vários anos, pois apesar da minha pouca idade, a compreensão dos acontecimentos dessa época já não me passava ao lado; foi também por essa altura que deixou a aviação naval e passou a interessar-se pelos trabalhos agrícolas no Monte do Meio, transformando-se num lavrador sempre à beira da falência.
Está assim apresentado um dos dois irmãos : O João José Rodriguez Potra.
Vou agora apresentar-lhes o outro irmão, o Rufino : Muito cedo se destacou pela rebeldia; criado desde criança pelos avós, a ditadura do general Primo de Rivera apanhou-o em Madrid quando frequentava a universidade num curso que não chegou a terminar; inclinado para as artes, abandonou a universidade e envolveu-se na tumultuosa vida madrileña do fim dos anos vinte e princípio dos anos trinta; companheiro de Rafael Alberty, Garcia Lorca e Miguel Hernandez; exímio tocador de guitarra, actor, poeta e saltimbanco. O advento da II República Espanhola apanhou-o nessa vida; de imediato saltou para a primeira linha dos acontecimentos e depois do alzamiento de Franco, em 1936, resistiu em Madrid até ao fim; o grito de Dolores Ibarruri " no passarán " encontrou nele plena correspondência; depois do fim da guerra civil foi preso e libertado no fim dos anos quarenta, depois de várias vezes ter estado à beira do fuzilamento; depois da libertação regressou a Cheles, pequeno pueblo ribeirinho do Quadiana e ali viveu até à sua morte em 1970. Tinha, como grande amigo em Portugal, o António da Cinza, velho amigo de infância. O meu pai foi logo avisado da morte do irmão por parentes que ainda tínhamos em Cheles. Saiu de casa e voltou horas depois munido de vistos que nos permitiam partir para Espanha imediatamente. Estava angustiado, notava-se o seu sofrimento no rosto; aqueles dois irmãos, em sessenta e quatro anos de vida, não tinham estado juntos mais que uma dezena de vezes; e nenhuma das vezes em que se encontraram tinha terminado de forma harmoniosa : « siempre de espaldas, fascista » ouvira eu dizer, uma vez, ao tio Rufino, quando já era mais crescida e começava a questionar-me sobre o porquê daquela animosidade, daquela falta de afecto entre os dois irmãos, ainda por cima irmãos gémeos.

(Continua amanhã)

Sem comentários: