A Republica de 1910 – um episódio na revolução
Ferreira Fernandes (no Prefácio ao livro “Histórias Rocambolescas da História de Portugal” – de João Ferreira) anota que, se nos faltaram na história o individualismo protestante, a altivez castelhana, a queda alemã para a musica, a propensão inglesa para a democracia, o espírito organizativo dos finlandeses, no entanto não nos faltaram episódios pícaros, manhosos, ou brutais e também de generosidade (se atendermos ao espírito de despojamento dos habitantes do Porto que – quando Lisboa se encontrava cercada pelos castelhanos – em 1384 - em luta pela defesa da independência e num gesto patriótico de querer um rei português (o Mestre de Avis) – abasteceram secretamente Lisboa de carne, não fazendo questão de se alimentarem apenas com as tripas das carnes que generosamente enviavam); ou se atendermos a que Portugal foi dos primeiros países do mundo a abolir a escravatura e a pena de morte – em sequencia da Revolução Liberal de 1820; ou se nos lembrar-mos do culto a generosidade da Rainha Santa Isabel (idiossincrasia consagrada no “Milagre das Rosas” ou na atitude de paz que evitou a luta parricida do Príncipe Afonso contra o pai D. Dinis – ou. Mais recentemente , atendermos à autentica vida de santo (numa verdadeira luta identificadora com o Bem, o Pensamento, a Democracia, a Liberdade, a promoção da Inteligência e do Conhecimento – que preencheria a sua existência – numa sociedade que o não compreendia, ou – lesados pelas verdades o distraiam) . FALAMOS DO Santo Antero (Antero de Quental) para não atendermos a mais exemplos de generosidade da nossa história – onde encontramos o altruísmo corajoso de Aristides de Sousa Mendes.
E generosa seria a curta existência da I Republica: o verdadeiro espírito republicano “ defendia a sua ideologia pela palavra, e não pedia prisão, ou perseguição, ou tortura – lembrando as palavras de Bernardino Machado,, os discursos de António José de Almeida ou os textos de António Sérgio ou o conceito de Ensino de João de Barros, ou mesmo a atitude de Machado dos Santos. Sabemos que, apesar de vitoriosa, a Republica admitiu monárquicos a cargos importantes da Administração ( o caso de Júlio Dantas ou Ferreira do Amaral, entre outros), respeitou a propriedade das grandes famílias (não interferiu na saída de grande grosso dos capitais para o estrangeiro) ,não fez nacionalizações de bens das famílias ricas; não prendeu o Rei e a Família Real durante a Revolução de 5 de Outubro – permitindo a sua livre saída; apoiaram até mesmos os grandes proprietários nas greves dos camponeses - numa atitude ingénua que lhes valeu a impopularidade e que redundaria na queda do regime republicano e na abertura à Ditadura do Estado Novo (que esse sim, seria acompanhado de prisões, exílios, perseguições, demissões compulsivas (até de intelectuais eminentes), campos de concentração, levantamento de calunias, assassinatos por delito politico, apreensão e captura de diplomas académicos).
Existiram sim, casos de radicalismos políticos (como a denominada “noite e cristal” – que vitimou Machado dos Santos e António Granjo) : que não se ajustaram aos princípios humanistas da Constituição de 1911.
E a provar o espírito generoso da Revolução de 1910, a sua crença na bondade (até do adversário), fixemo-nos no seguinte excerto das “Memorias Politicas” de José Relvas ( um dos estrategos políticos da Revolução) . Conta-nos José Relvas: “Recordo a apresentação (a querer cumprimentar o Directório Revolucionário) do General Carvalhal, o oficial., que sob as ordens do general Gorjão (o comandante das forças monárquicas) tentara executar um dos últimos planos de defesa monárquica. Não o conhecia.
Quando, em 1909, dominara o projecto de disciplinar todas as forças revolucionarias sob a acção ,de um oficial superior, falara-se em diversos generais, sendo um deles Pimenta de Castro. Cândido dos Reis insistira muito no general Carvalhal, mas o plano não teve seguimento.
Ficara-me bem lembrado o nome de Carvalhal pelas referencias de Cândido dos Reis, confiado nas suas superiores qualidades cívicas e militares. Ignorava ainda nesse momento a existência de dois oficiais com o mesmo nome, e por isso quando Carvalhal Henriques (o chefe monárquico) entrou na Câmara Municipal, anunciando a sua presença e o desejo de ser recebido, corri de braços abertos para o homem que me aparecia com todo o prestigio da confiança que merecera a Cândido dos Reis. Surpreendido com tão imprevista recepção, o homem que aí fora levado talvez pelo propósito de uma apressada adesão aceitou o papel que inconscientemente lhe era criado e regressou ao quartel-general, seguramente tranquilizado sobre a sua sorte”.
História aparentemente rocambolesca, mas que denota a ingenuidade e a generosidade que atravessou os dezasseis anos da I Republica – que como democracia que revestia a sua política, contrastava com o calculismo que preside às Ditaduras: basta lembrarmo-nos que não existia policia politica no regime republicano nem censura de consciências.
Sobre a I Republica, diz-nos o Historiador Romero de Magalhães, “sendo republicano e educado em meio republicano, conheço razoavelmente as vicissitudes do regime e o quanto foi desacreditado por adversários e mesmo por seguidores. Nem por isso o tenho por menos decisivo e menos generoso. E capaz de dignificar os cidadãos que deixaram de ser súbditos. A centralidade da cidadania é o grande contributo do novo regime. Que nunca pode ser minimizado.
José Alexandre Laboreiro
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