segunda-feira, 4 de outubro de 2010

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM

Miguel Sampaio - A Pátria


Segunda, 04 Outubro 2010 11:03
"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis.
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País. [.] A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas; Dois partidos [.] sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, [.] vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."
Este texto que acabei de ler, é um excerto do poema "Patria", escrito por Guerra Junqueiro em 1896.
O país vivia uma bancarrota, atravessava uma profunda crise identitária e os partidos que então alternavam no poder, há muito que não passavam de redes clientelares; mais vocacionados para apadrinhar os interesses de alguns, do que para servir a causa pública.
Cento e quatro anos se passaram sobre estas palavras, nada mudou.
Será que estamos eternamente condenados?

Miguel Sampaio

1 comentário:

Anónimo disse...

É um facto indesmentível a pobreza de espírito, honestidade, verticalidade. dos nossos politicos actuais, no entanto não nos podemos queixar ,quem os elegeu fomos nós!!!
Pergunta-se, em situações como esta que devemos fazer? NADA...Absolutamente nada...para começar nem sequer nos deveriamos aproximar das mesas de voto, ou então, entregá-lo em branco.Como é possivel, depois de tanto tempo passado estarmos exactamente como Guerra Junqueiro escreveu,nada mudou,onde está a vergonha desta gente?como tem cara para andar na rua, sabem porque nada mudou? porque nós deixámos que tudo esteja como está, nós é que devemos ter vergonha de continuar a votar nesta corja...
É melhor ficar por aqui...
Um abraço,
HOMERO