quarta-feira, 20 de outubro de 2010

CRONICA DE OPINIÃO DA RADIO DIANA FM

Luís Sebastião - As árvores não crescem até ao céu

Quarta, 20 Outubro 2010 08:34
Desde a década de setenta, que os ecologistas andam a chamar a atenção para o facto de que as árvores não crescem até aos céus. Com esta afirmação, aparentemente trivial, queriam chamar a atenção para inviabilidade de um modelo de desenvolvimento assente numa expectativa de crescimento económico permanente. Naturalmente que ninguém lhes deu atenção.
O pior é que, quarenta anos depois, começa a ser mais ou menos evidente que as árvores não crescem até ao céu.
O último relatório do World Wildlife Fund, provavelmente a mais importante das organizações de protecção ambiental, que produz bienalmente relatórios com uma base científica inatacável, diz, entre outras coisas, que se todas as pessoas do planeta tivessem os padrões de consumo dos portugueses, seriam necessárias duas Terras e meia para produzir o que nós gastamos. Se pensarmos que ainda assim consumimos muito pouco ao pé dos grandes consumidores, vemos como o problema assume proporções dramáticas.
É também evidente que a crise económica e financeira que o mundo ocidental atravessa decorre, em última instância, do tipo de relação que estabelecemos com o consumo. E naturalmente que os países da Ásia, como a China, ou de África, como Angola, que apresentam índices de crescimento animadores, correm o risco de ver o seu potencial de desenvolvimento "comido" pela mesma dinâmica que os produz, qual Cronos a devorar os seus próprios filhos.
Cheguei a acreditar, quando a crise deflagrou em 2008, que seria esta a oportunidade de ouro para questionarmos a fundo o paradigma em que vivemos. E, por uns breves instantes, pareceu que sim. Que a política, finalmente, iria prevalecer sobre a economia, que as escolhas intencionais e negociadas iriam prevalecer sobre a "inevitabilidade" dos mercados, que os argumentos iriam, por uma vez, prevalecer sobre os factos. Mas infelizmente isso não aconteceu.
Saber que as árvores não crescem até aos céus, que o planeta Terra já não aguenta por muito mais tempo os tratos de polé que lhe temos vindo a infligir, que os problemas ambientais já não põem só em risco a vida dos nossos filhos, põem já a nossa, deveria ser motivo suficiente para começarmos a procurar alternativa aos modelos de crescimento.
Já há quem o faça. Há quem aponte para a necessidade de trocarmos o conceito de crescimento sustentável pelo de decrescimento sustentável. E se o procurarem no Google, encontrarão 3 200 000 entradas. Julgo que isso deveria querer dizer qualquer coisa. O problema é que os políticos que vão a votos, pelo menos estes que por aí temos, jamais terão coragem de o fazer com propostas no sentido do decrescimento. No sentido de um reajustamento com um horizonte de esperança.
Porque será? Será que é porque eles acreditam que as árvores crescem até aos céus?
Até para a semana.
Luis Sebastião

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