quinta-feira, 28 de outubro de 2010

CENAS DA VIDA REAL - ( HOJE: Sean O'Flaherty D. Rivera Kerrigan)

Como dois marroquinos comeram e beberam à tripa forra debaixo da bandeira da II República Espanhola.


Convém lembrar que o regime político em Espanha é, actualmente, uma monarquia constitucional, e que a bandeira da república foi banida quando o General Franco tomou o poder em 1939.
Aquando da morte deste general, em Novembro de 1975, e com a subida ao poder do Rei Juan Carlos II, como Chefe de Estado, a Espanha tornou-se, como já foi dito, numa monarquia constitucional. A partir dessa altura, e duma forma muito lenta, a bandeira republicana, passou a ser tolerada, desde que não fosse exibida publicamente.

Vamos lá agora ao que verdadeiramente interessa.
Entraram em Espanha no antigo posto fronteiriço de São Leonardo. Tinham partido do Alandroal por volta da uma hora da tarde, depois de terem aviado duas ou três minis no bar da Lena.
Terena, Ferreira, Montejuntos. Aqui, voltaram às minis no café do Matias. Já passava das duas horas quando tomaram o rumo de Cabeça de Carneiro.
Deixaram o concelho em Cabeça do Seixo ... Motrinos e tal ... até chegarem a Mourão. Nova paragem.
Mais minis, desta vez acompanhadas por um lastro mais sólido. Uma sandes para os dois. Ali, partidinha mesmo ao meio, com a navalha " opinel au carbone ".
Quando estavam de saída ainda viram, estacionado junto à escola, o carro da Luísa Valente. Estiveram quase a ir desafiá-la para uma cervejola. Não foram. Por uma vez, ao menos, prevaleceu o bom-senso.
Como já sabem, entraram em Espanha por São Leonardo. Dali a Villanueva foi um salto.
Os afazeres que os levavam a Espanha só teriam lugar ao princípio da noite. Entretanto, depois de estacionarem, urgia comerem qualquer coisa, pois já passava das cinco da tarde, ( hora espanhola ) e eles sem almoçarem.
Fizeram a primeira tentativa na " bodega del cazador ". « Aqui deve haver boa comida », pensaram.
Pensaram mal. Nem um papo-seco tinham. Para não fazer desfeita à miúda do balcão, beberam duas cervejas. Em busca de comida, calcorrearam duas calles, e encontraram o centro da povoação. Na Plaza Mayor, mesmo junto à igreja, estava um bar todo engalanado com bandeiras de todo o mundo. « Aqui, sim, vamos safar-nos » . Não se safaram. A primeira coisa que o homem do balcão lhes disse é que não havia nada para comer. Parece-me que vocês já adivinharam o que se seguiu. Isso mesmo : mais duas cervejas.
Pois bem, estavam os dois marroquinos, encostados ao balcão, já conformados com aquela triste sina, bebendo as " San Miguel " , quando um deles, reparando melhor nas bandeiras que forravam todo o interior do estabelecimento, disse que a maior bandeira exposta, era a bandeira da II República Espanhola.
Falaram durante uns momentos sobre o que tinha acontecido em Espanha durante a vigência da república, lá pelos anos trinta do século passado, sempre debaixo da atenção do homem do bar que, assim como quem não quer a coisa, abriu mais duas cervejas e trouxe um prato de frango, dizendo « Comam, comam, que está quentinho ».
Depois, foi um ver se te avias. A seguir apareceu com um prato de tapas de queijo. Depois ainda, foi a vez de trazer presunto e lombo fumado. E parecia uma dobadoura a tirar tampinhas às " San Miguel ".
Mais tarde, quando já estavam meio entornados, apresentou-lhes a família : foi a mulher, foi a filha, foi o cunhado... e muitos amigos. Amigos esses que já levantavam, do outro lado do balcão, as " botellas " de cerveja, em estilo de brinde.
Tudo malta republicana
Por fim, ofereceu a cada um dos dois marroquinos, uma garrafa de vinho da sua colheita pessoal.
Ah ... e só pagaram as primeiras cervejas.

Sean O'Flaherty D. Rivera Kerrigan
Alandroal, Maio de 2010.

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