sexta-feira, 15 de outubro de 2010

APERITIVO

(Outros Contos de Vila Nova ) – de: João Luís Nabo -  apresentação dia 30 Outubro)



"(...) Maria Benedita susteve a respiração. Não acreditava no que estava acontecer-lhe. Nem um nem outro conseguiram pronunciar palavra. Nem uma sílaba. Por mais sem sentido que fosse.
O vento, transformado em brisa, refrescava-lhes, aos poucos, os corações. As nuvens negras a ameaçar trovoada começavam a dissipar-se. O rio, como que por milagre, sossegou e as rochas duras transformaram-se em areia. Os troncos arrastados pela corrente, que pareciam braços a pedir auxílio, quiseram ser pássaros e sobrevoaram as águas sarapintadas pela espuma dos dias. Dos dias de sofrimento. Do passado. Do que, afinal, ainda se pode mudar.
As lágrimas amargas ficaram rios de mel com laranjas e as veias daqueles dois, até então empedernidas, transformaram-se, elas sim, em caudais violentos de sangue vivo, numa enxurrada de liberdade, como se tivesse chovido mil anos sem parar. Até o rebanho estava silencioso, à espera, guardado pelo cão, em expectativa. Foi ela que recomeçou, em aflição, contrariada por quebrar aquele sossego tão inesperado:
― Simplício! Onde é que arranjaste dinheiro para um presente tão caro? (...)"
ÁGUAS MIL, in Outros Contos de Vila Nova (Ed. Tágide, 2010)

O SINAL




‎"O que Zulmira não adivinhava, não podia adivinhar, era que nesse mesmo dia, já perto do lusco-fusco, iria entregar à polícia política o seu Tomé, o homem com quem tinha casado havia mais de um ano, a quem, diante do padre e de Deus, havia jurado nunca trair, fossem quais fossem as circunstâncias da vida. O seu Tomé, pai da Margarida, aquele pedaço de céu prestes a ficar sem os seus carinhos. Se Zulmira soubesse o que estava para acontecer, teria preferido que aquele dia nunca tivesse amanhecido.(...)"
O SINAL, in Outros Contos de Vila Nova (Editorial Tágide, 2010)







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