segunda-feira, 25 de outubro de 2010

AO CORRER DO TECLADO (POR AL-KALATY)

HISTÓRIA…, contada á minha maneira!
O PADRE CRUZ
 No alvorecer do dia 1 de Outubro de 1948, morria na cidade de Lisboa, tal qual a serenidade dos justos, o padre Francisco Rodrigues da Cruz.
O país foi atravessado por um frémito generalizado de emoção, de tal forma  o velhinho padre, era estimado quer pelos crentes e descrentes. Estranhamente houve desiludidos, que buscando as obras espectaculares no seu «currículo vitae» do Padre Cruz não as obtiveram. Este homem bom, nascido a 29 de Julho de 1859, numa freguesia ribeirinha, a sul do Tejo, chamada S. João Batista de Alcochete, foi ordenado no ano de 1882.
A Republica tendo chegado meses antes, num desvarido de paixões explosivas, num tempo de indecisões, alvoroços e perigos, nas ruas de Lisboa, em esquina escura, a cilada, o atentado, esperavam sinistramente – foi o próprio Padre que contou: Vindo do lado da Sé, com as bombas a rebentar à porta das Igrejas, mas indo visitar um doente, era de noite, ia levar-lhe qualquer coisa, nisto oiço uma gritaria, com as luzes apagadas, os ecos da algazarra avizinhavam-se, ouvindo-se a sentença: - «Mata-se o padre… Mata-se já…De resto em duas palavras se conta o folhetim – eram ébrios que ao vê-lo se abeiraram, fazendo um cerco cerrado sem se resolverem a tocar-lhe,  que com  serenidade esperava o momento do sacrifício. Um dele mais afoito gritou – estamos a adorá-lo? Entretanto passavam uns marinheiros armados de espingardas, no serviço a bairros suspeitos, quando descobriram o padre, gritando «alto! É o padre Cruz!» e um espanto e coro foi de tal forma ouvidos, que de imediato pediram perdão naquele momento, pois todos bem conheciam o prior e o local onde ficava o Limoeiro.
Bacharel formado em teologia, pela universidade de Coimbra, tendo sido professor de filosofia no Seminário de Santarém, e Reitor do Colégio dos Órfãos de Braga, tendo sido nomeado em 1925 Cónego da Sé desta cidade, pelo Cardeal D. António Mendes Belo.O Padre Cruz, pediu nessa altura a Sua Eminência que o dispensasse, dado que o seu maior desejo era gastar a vida toda a ajudar espiritualmente os presos das cadeias, os doentes dos hospitais, os abandonados e os pedintes, sendo verdadeiramente a sua heróica e abnegada vocação.
No seu romance A Catedral, no seu capítulo VII, Manuel Ribeiro, imbuído de certos preconceitos revolucionários, traçou-lhe assim o perfil: «Padre Cruz era, de facto, uma extraordinária figura eclesiástica que se popularizara em Lisboa … um autêntico santo desgarrado do século…
Dedicado a um labor apostólico, de que fizera o móbil da sua vida, o incansável padre batia a cidade, calcorreava os bairros pobres, visitava os asilos, os manicómios, os hospitais e as cadeias, onde a sua bolsa vertia sempre o coração e a palavra amorosa que confortava… Padre Cruz, não lê jornais, não fala em política, ignora os regimes e os governos – sabia simplesmente que existem pobres, miseráveis desvalidos, bocas à míngua de pão, muitas repletas de dores.
Em Julho de 1939, estavam 150 sacerdotes no Seminário em retiro espiritual, por ocasião da despedida, o cónego Martins Pontes revelou que o Padre Cruz, que estava presente, fazia no dia seguinte, 80 anos de idade. Quando falou o Cardeal Patriarca D. Manuel Gonçalves Cerejeira, associou-se às homenagens ao venerando sacerdote, e disse que no dia imediato, seria o Padre Cruz o celebrante da missa e Sua Eminência o Ajudante. Assim se fez e no fim, em vez do voto de obediência que costuma ser prestado pelo clero ao seu Prelado, cada um dos sacerdotes recebeu individualmente a bênção do Padre Cruz, a começar pelo próprio Cardeal Patriarca que presidia á solenidade.
Padre Cruz ingressou na Companhia de Jesus, em 3 de Dezembro de 1940, dia de S. Francisco Xavier.
Em Abril de 1942, foi à Ilha da Madeira, a convite do Bispo do Funchal, tendo ido de seguida aos Açores, percorrendo todas as Ilhas e hospedando-se na residência do Governador Civil do Distrito de S. Miguel.
Não conhecendo a ciência, de que muitos se exaltavam até ao limite, conhecia perfeitamente milhares de dramas interiores.
O Padre Cruz quando morreu - sentiu-se que Portugal ficou humanamente, segundo o sentir de muitos, mais pobre e mais só.
O seu funeral foi uma apoteose completa, na altura se escrevia, uma das maiores apoteoses que a história portuguesa registou.
Ficou – nos a satisfação da sua memória, no bairro erguido ás portas de Lisboa, entre o concelho de Odivelas, a este benfeitor.


231010-PESQ.JPBR

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