(Continuação do dia anterior)
VIAGEM ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA 2ª PARTE
( Ou fragmentos da vida de uma família raiana ).
Na tarde em que, formalmente, a Maria da Conceição foi pedida em casamento, deslocou-se ao monte da Mota toda a família Rodriguez Potra. Todos fizeram apuros de elegância, e lá marcharam para casa do velho fidalgo, cientes da felicidade que o mano João José procurava, até porque era o primeiro dos irmãos a dar semelhante passo. Estavam todos convencidos da necessidade daquele casamento, pois nos últimos meses tinham sido dadas provas de amor suficientes tanto por um como por outro. Calculem que a Maria da Conceição até tinha acompanhado o João José e o mano Francisco numa saída a Espanha para resgatar a viúva de um antigo contrabandista, companheiro de armas, que tinha sido fuzilado pelos falangistas, e, a avaliar pelos relatos que ao dois irmãos fizeram, tivera um comportamento digno de respeito. Até o Francisco, que no princípio do namoro tinha duvidado dela, disse ao irmão -" Tens aqui mulher para te acompanhar na vida, João José. Não a percas. " -
Não se livraram, nessa tarde, de um daqueles discursos que o futuro sogro de João José gostava de fazer. Depois do pedido formal da mão da noiva, feito pelo mano velho, Francisco Rodriguez Potra de Avelar, teve a palavra o dono da casa. Todos esperavam um daqueles longos e enfadonhos discursos em que don Miguel da Mota era exímio.
Enganaram-se.
Saiu assim :
" É com muito gosto, mas também com muita apreensão que entrego a mão da minha filha ao seu noivo aqui presente. Com muito gosto, porque é visível que se amam. Desde que eu próprio me enamorei da mãe dela, que não assistia a um amor igual. Tenho a certeza que nunca faltará amor na sua vida e espero que esta seja abençoada e lhes traga muitos filhos. Com muita apreensão porque sei que o João José nunca mudará, pelo contrário, sei que a mudança se dará, isso sim, na minha filha. Mudança essa que já começou. E já agora , para que não pensem que este pobre velho perdeu de vez todas as faculdades, vou aproveitar esta ocasião para lhes dizer que nunca me enganaram. Ao Francisco e ao Rufino, e também ao meu futuro genro, quero dizer que desde o início percebi que se serviram de mim naquele caso do António Pombo. Não se perdeu nada, pois ele tampouco valia alguma coisa. Mas eu percebi, tomem nota, e levei até ao fim o vosso plano. Só por isso, acho que mereço o vosso respeito e a vossa gratidão. E também porque sei que, no fundo, são boas pessoas, espero que sempre se sintam bem nesta casa. Em jeito de desabafo, também gostaria de lhes dizer que me sentiria muito mais descansado, e mais confiante , se vocês não andassem sempre com o dedo no gatilho. Quanto ao João José e à minha filha, também quero dizer que nunca me enganaram. Eu sabia muito bem que as regras, por mim estipuladas para o vosso namoro, não iam ser cumpridas. Ou pensaram que tinham inventado alguma coisa ? Hoje sou velho, mas ainda me lembro do tempo em que era novo, do tempo em que aqui ao lado, na Extremadura, durante o meu noivado com a mãe da Maria da Conceição, me foram estipuladas essas mesmas regras. Regras que me mandaram cumprir e que eu também não cumpri. Já me alonguei muito, provavelmente disse o que não devia, mas pior seria se não lhes desse mais esta lição de vida. Que vos aproveite. E muita felicidade para todos, especialmente para os noivos.
Discurso longo, mas não enfadonho, como se vê.
Todos ficaram calados. O silêncio era de cortar à faca. E foi Rosalía, essa mulher enigmática, quem primeiro começou a bater palmas. Depois, todos a seguiram. Pois foi assim que Maria da Conceição e João José ficaram noivos.
Casariam dois meses depois.
Nota da narradora :
( Estes dois viriam a ser os meus pais, conforme já sabem. )
(Amanhã, novo capítulo)
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