VIAGEM ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA 2ª PARTE
( Ou fragmentos da vida de uma família raiana ).
Logo no início, após o João José alargar as correias ao cavalo para o deixar à vontade, e depois da Maria da Conceição dispor os lugares à mesa, antes de começarem a comer, o pai da rapariga fez questão de dizer algumas palavras. Assim, exactamente assim, virando-se para o João José :
" Aprendi a conhecer-te desde que nos encontrámos na taberna do António da Cinza, aqui há uns meses. Devo dizer-te que a minha opinião a teu respeito e a respeito dos teus irmãos, não era muito boa, mas também é verdade que às vezes são mais as vozes que as nozes e também foi verdade que, naquela questão do António Pombo, vocês agiram muito bem. Eu próprio tive ocasião de verificar isso, e para te ser franco, não gostei da forma como o meu testemunho foi apreciado por aquela gente lá de Évora. Mas isso são águas passadas. Agora, o que interessa, é o motivo porque este almoço foi organizado. Cedi ao pedido da minha menina. Ela também já não me largava a cabeça por tua causa. Eu sei que já sou muito velho e que a vida vai continuar depois da minha morte, mas tenho hábitos muito antigos, e exactamente por ser velho e os hábitos serem antigos, já não capaz de os deixar. O teu namoro com a minha Maria da Conceição vai obedecer a regras que eu me dispenso de explicar aqui. Ela te dirá quais são. E tenho a certeza que essas regras te serão transmitidas da mesma forma que eu o faria. Conheço bem a filha que tenho. Rapaz, não me faças arrepender daquilo que neste momento estou autorizando. Se alguma vez me arrepender, quero lembrar-te que ainda tu não tinhas nascido, e já eu era o melhor tiro destas redondezas. "
Assim falou, sempre virado para o João José, sempre olhos nos olhos.
Depois, virou-se para a filha e disse :
" Estas palavras servem também para ti. Exactamente as mesmas. "
E o almoço lá decorreu da melhor maneira, ainda com o João José pensando que a vida , por vezes, também nos pode reservar bons momentos.
Escusado será dizer que não cumpriram nenhuma das regras impostas naquele dia. A namorada arranjou sempre maneira das tornear, e, volta e meia, lá estavam eles a dormir juntos nos mais diversos locais, verdade seja dita, com a cumplicidade da velha criada do monte.
Passados uns meses, começaram a pensar em casar. Sondado, o pai da Maria da Conceição, respondeu desta forma : - " Só quando o teu namorado se deixar dessa vida de contrabandista, e, sobretudo, quando deixar de ajudar esses republicanos espanhóis que estão, a toda a hora, a fugir para cá. Será que o rapaz não vê o perigo que corre ? Julgas tu, porventura, que o teu pai é parvo e não sabe o que se passa ? Rapariga, tem juízo e diz ao João José que o tenha também ". -
Foi assim que a conversa sobre o casamento se encerrou por uns tempos. Por pouco tempo, aliás. Passados uns meses foi o próprio don Miguel da Mota quem trouxe à baila esse assunto. A Maria da Conceição, filha única, ainda solteira, e o velho lavrador, sentindo-se doente, não queria morrer sem a deixar casada. Ficou assim aprazado o casamento para o verão de 1938.
(Continua)
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