(Continua aberto à participação)
Letra G
Gabardina: eis a peça de roupa superpreferida do J. Fitas. Cultivava-as. Tanto quanto a leitura de G. Garcia Marquez, Gaby, nos desatinou e revolucionou.
Tinha uma, ou não mais do que duas gabardinas, e todas lhe assentavam bem logo que o Outono despontava frio e o Inverno chuvoso espreitava.
Mudava de ano sem mudar de gabardina. Comunicava-nos isso, (e de que maneira o J.F. era comunicativo), desabotoando-a ou abotoando-a lentamente.
De ‘gabardine’, em tons crónicos bastante claros, gola puxada para cima, cinto ajustado, o J.F. seria tudo aquilo que quisesse. Desde ser um criativo professor universitário, passando por ser “um espião que saía do frio”, à noite, na Morais Soares, até ser um superdetective com algo de 007.
Pose, Segurança, Talento, Argúcia e Arte, Ele tinha. À semelhança e tal como sempre o inspirou, a figura…e, cá está, a gabardine mítica de H. Bogart. Embora, por vezes, latino, aqui ou mais além, também desatinasse!
Ficou-se por um mal menor: ser bancário para lhe sobrar tempo… para não ir sendo simplesmente bancário.
Letra H
História: Para o J.F., a História tinha tido, desde o início da Revolução Francesa, finais do Século XVIII, um recomeço e uma missão clara: mais do que interpretar o mundo, era necessário que a História servisse doravante para o transformar. Neste sentido, era hegeliano e marxista, acreditando pragmaticamente que um dos motores da história, era a luta de classes. O que, de resto, explica, em parte o seu alinhamento partidário.
Nunca demonstrou um grande interesse pela História Antiga ou pela História Medieval. Criticava, isso sim, o protagonismo e os poderes diversos e excessivos da Igreja em Portugal. Anticlerical, vintista e republicano, pois claro!
N.r (1) Admirava bastante o César de Oliveira, Professor no ISCTE pelos seus trabalhos de investigação sobre a Guerra Civil de Espanha. E sobre o Sindicalismo, I e II Internacional. Onde ele estivesse, íamos ver o meu colega do instituto. Às vezes, até me parece que eram mesmo muito parecidos…
N.r. (2) não descurando o papel dos grandes actores na História, outro dos seus grandes heróis era, curiosamente, J. Garibaldi aquele que VERDI (Viva Emanuel, Rei de Itália) alcandorou.
Letra I
O J.F. foi, imaginem, Indultado. Era a tropa e estava preso plenamente, se bem me recordo na Trafaria, a cumprir uma pena que não (lhe) tinha sido nada meiga.
Eis senão quando o Papa Paulo VI (antisalazarista) veio até Fátima. Salazar e o Papa receberam-se friamente. Um disse, Sua Santidade, o segundo respondeu, Sua Eternidade. O primeiro ajoelhou. O segundo benzeu.
Decretou-se uma amnistia e aqui está como o JF, lesto e sorridente recuperou a liberdade. Quase tão depressa quanto a perdera.
Teria de ser assim, porque parece que tinha havido apenas uns problemas com o içar da bandeira…
(continua)
Com as melhores saudações
António Neves Berbem
3 comentários:
Para a letra G tinha-me lembrado de Galã. O J.F. era um bonitão..., o fato e a gravata que vestia assentavam-lhe que nem uma luva..., e as mulheres topavam-no..., na rua ou na Portugália, havia "descaradas" que lhe mandavam piropos (quando o acompanhava algumas vezes presenciei). Mas a Gabardine..., essa é fascinante... e o teu escrito retrata-o melhor que uma fotografia..., sim..., porque as tuas palavras trouxeram-no hoje até mim como um filme: a descer a Morais Soares, provavelmente para ir ter contigo..., ou comigo..., ou com os dois, à Minerva, aconchegado na sua gabardine, que era a sua segunda pele, o J. F.,como dizes, podia ser o que quisesse.
Grande abraço do Luis Fernando
Homem multifacetado, o J.F. cultivava a amizade como um dever acima de qualquer outra obrigação. Para ajudar um amigo, no que quer que fosse, removia qualquer obstáculo.
Recordo um episódio em que o autor deste abcedário esteve a pontos de entregar a alma ao criador. Numa tarde de domingo, talvez Junho, o meu "grupo de estudo" decidiu que um dia de praia faria bem ao cérebro, tão necessitado de ajuda em época de exames. Fomos para a Costa da Caparica. Bandeira amarela, mar um pouco agitado, ficámos por banhos de sol. Subitamente ouvem-se gritos de socorro. Um diz: é um brincalhão; outro contraria: não é..., não, o gajo está à rasca..., não consegue sair. O grupo foi-se aproximando..., vejo a Luísa, então mulher do António José, desesperada, pedia que alguém fosse socorrê-lo. Aparece um velho com uma corda que manda: segurem bem a ponta que eu vou lá tirá-lo. O velho, que tinha força, conseguiu negá-lo às mãos do "criador". Virado e revirado, o quase afogado parecia ter engolido o mar inteiro. Uma ambulância chegou e partiu com celeridade.
Logo regressado a Lisboa, fui a casa do J.F. ao cair da noite, a quem contei o sucedido. O J.F. quis ir imediatamente procurar o António José, primeiro a casa, se bem me recordo na Rua da Misericórdia, onde já se encontrava...; a Luísa disse-nos que estava bem mas a descansar por estar esgotado!...
O J.F. e eu vagueámos pela Baixa. Ele repetia: como é que um gajo que aprendeu a nadar no tanque do João dos Pereiros tem a lata de se atirar ao mar da Caparica...
Um grande abraço do Luis Frenando
Indelével... para os que eram seus amigos e acompanharam com ele no dia a dia (ou na noite a noite) da vida lisboeta. Uma noite, depois de uma ida em grupo ao cinema, fomos beber uma imperial à Riba D'Ouro... e dali partimos para um bar, junto ao Parque Maier, não recordo o nome... talvez o Ritz, onde se bebiam mais uns copos e havia festa animada por dançarinas. O João era o líder do grupo... ele é que apresentava as credenciais nos "sítios" onde se exigiam à entrada... Nessa noite arma-se uma cena de pancadaria numa mesa ao lado da nossa; e ele, de um salto, indica-nos um canto na penumbra da sala, por si, pouco iluminada. Eu tinha menos dez anos que ele..., e era imbérbe nestas andanças. O João disse-me: deixa-te estar atrás de mim. Vimos cadeiras e garrafas partirem-se... lambada de criar bicho... Quando a cena se diluiu já estávamos na rua... sem uma beliscadela. Um líder inesquecível... para meia dúzia de nós...
Um grande abraço. LF
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