Como já aqui foi dito, o cinema era uma das paixões do João.
E a minha contribuição para esta homenagem, passa por falar dessa paixão, utilizando como pretexto a letra " C " de cinema.
No entanto, para que o texto se torne compreensível, tenho que recuar muitos anos e voltar ao fim da década de cinquenta, quando ...
... numa noite de invernia, já a hora ia adiantada, aqueles dois desciam o Outeiro das Nozes, bem encasacados, pois o frio era intenso, embora eles disso não se apercebessem, tal o entusiasmo que punham na conversa. Falavam em tom muito baixo porque, como todos sabemos, no Alandroal, as paredes sempre tiveram ouvidos.
O João era um dos intervenientes da conversa. E divagava por um dos seus temas favoritos : A morte.
Esse, era um assunto que o atraía e ao qual voltava com muita frequência. O mistério da morte fazia com que, da sua cabeça, saíssem as mais incríveis teorias.
Nessa noite, dizia :
« A morte, com toda a sabedoria da eternidade, pois ela é a única que não morre, muitas vezes apresenta-se de forma muito insinuante, muito atractiva, muitas vezes na figura de mulher bonita. Nessas alturas é preciso resistir-lhe, fazer-lhe frente, seduzi-la, de maneira a retardar o momento da partida. »
Conversa com pano para mangas, conforme estão vendo. E acabou já alta madrugada, inconcludente, como não podia deixar de ser.
Houve, porém, uma palavra que para sempre me acompanhou : " seduzi-la " . Seduzir a morte quando ela se apresentasse como mulher bonita.
Ora o João era um sedutor. Em todos os aspectos. Desde logo, fisicamente : Alto, bonito, olhos claros, por vezes até fazia uns apuros de elegância. E quando falava, raramente lhe resistiam. Sei disso porque, várias vezes, assisti a cenas dessa natureza.
A doença do João foi uma doença terrível. Uma doença que rapidamente levava de viagem quem dela padecia. Mas também sei que o João deu muita luta. E sei isso porque, nessa fase, o acompanhei de muito perto. Visitava-o muito e até nos correspondíamos. Embora nessa correspondência o tema principal fosse a política, por vezes, a doença dele também vinha à baila. Sei que ele utilizou, na luta, todos os seus recursos.
Depois da sua partida, talvez para acalmar a dor da perda, sempre gostei de pensar, levando em conta a conversa que acima contei, que ele tinha seduzido a tal mulher bonita que o vinha buscar.
E mesmo configurando a morte, porque resistiria essa mulher ao charme do João ?
Seria a primeira !
Estou até convencido que, depois de se enamorar dele, ela o levou para não o perder.
É aqui que entra o cinema. Também para desanuviar a densidade deste escrito. E, também ainda, para eu me sentir mais aliviado por escrever estas palavras.
O filme " All That Jazz " ( não me lembro do título em português ) , em que a morte é personificada por uma magnífica Jessica Lange, é a cópia quase fiel das teorias do João a respeito da vida e da morte.
E isso prova que, por esse mundo fora, o João não era o único a partilhar essas inquietações.
Termino com a sensação de ter dito mais do que devia e menos do que queria. Deixo um beijinho para a Chica e para as filhas do João, as mulheres mais importantes e bonitas da sua vida, como algumas vezes me disse.
P S = Chico, enquadra este texto no abecedário do João da forma que entenderes.
12 / 08 / 2010
Sean
E AINDA MAIS ESTA –
Camões deixou um novo comentário na sua mensagem "RECORDANDO….":
Vou contar, a respeito do João Fitas, o que aconteceu num determinado dia no Alandroal, mais precisamente em frente à loja do A. Passos (Arnaldo).
Saía eu de casa dos meus pais quando o avistei perto do Arnaldo. Cumprimentei-o e como era habitual, ficámos à conversa. Gostava de mim como eu gostava dele. Por eu ser namorado da sua sobrinha Ana Paula tinha por mim um carinho especial, e eu porque gostava de o ouvir falar, tinha por ele uma enorme admiração.
Naquele dia João Fitas conversava, mas não com a mesma alegria que era habitual na sua pessoa. O meu irmão Luís Fernando juntou-se a nós e a partir desse momento, fiquei mais como um espectador atento às palavras daqueles dois amigos. João Fitas tirou uma carta do bolso do casaco e entregou-a a Luís Fernando. O meu irmão abriu a carta, leu e finalmente, com um ar pesaroso disse: João, tens um tumor maligno e dos piores...
Afastei-me daquele lugar e fui para casa. No meu quarto pensei naquele homem e chorei.
Mais tarde, já depois de uma visita ao hospital, percebi pela família que a morte estava para breve. Depois do seu funeral, ofereci à Maria Balbina muito minha amiga, um quadro pintado por mim a óleo, em homenagem ao irmão, com o título "Outono".
Foi assim...
Cabe
E agora digo eu, citando Harold Robbins
“Nunca se morre quando se fica no coração dos que cá ficam”
AOS QUE PARTIRAM
Nunca é morte quando se fica
No coração de quem permanece,
Com certeza a fórmula mágica
De quem fica e nunca esquece!!!
POETA
1 comentário:
Ana Paula Fitas disse...
Meu caro amigo,
Fico sem palavras perante estes testemunhos e esta homenagem (das melhores que se podem fazer a alguém, pelo grau de autenticidade e pelo sentimento que transmitem)... obrigado ao Sean por mais uma história que me faz sorrir e me ajuda a construir uma parte da memória familiar que não vivi mas que a memória colectiva regista... obrigado ao Cabé pela partilha de um momento tão importante :)
... e Xico Manel, á título de esclarecimento, digo que só agora respondo para poder enviar-lhe por esta via o meu e-mail: --------------
Um grande abraço a todos e um beijinho...
20 Agosto, 2010 09:50
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