(Continuação do dia anterior)
VIAGEM ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA 2ª PARTE
( Ou fragmentos da vida de uma família raiana ).
Adiei o meu regresso a Portugal e dormimos juntos. Na manhã seguinte, com algum acanhamento, despedimo-nos com um hasta siempre. Da Carmen, assim se chamava, guardei gratas recordações. Disse-me que tinha nascido na Argélia, filha de mãe alentejana e pai extremeño. Vivia agora em Badajoz, com os pais, depois de um casamento mal sucedido.
Procurei-a sempre que me deu na real gana. E sempre a encontrei naquele pequeno bar na margem do rio Guadiana. Aquilo que, inicialmente, tinha sido uma atracção física, pouco a pouco, transformou-se num sentimento mais profundo, a tal ponto que começámos a encarar a possibilidade de vivermos juntos.
Poderia este retrato ficar por aqui. Mas não, não fica por aqui. Reparem como o destino é caprichoso e nos traça rumos que mais parecem de fantasia.
Quando conheci os pais de Carmen, logo no início do nosso relacionamento, e depois de devidamente apresentados, reparei como a mãe dela ficou perturbada. Perguntou-me, então, em bom português, se eu não seria filho de Antónia Casablanca e neto de um tal Juan António Casablanca, e se tinha nascido no monte do Meio, junto à igreja de Nossa Senhora da Fonte Santa, concelho de Alandroal, aí por meados da década de quarenta. Era eu. Exactamente eu. Filho de Antónia Casablanca e neto de Juan António Casablanca, nascido no monte do Meio em 1946.
Perante o meu espanto, e perante o espanto de Carmen e de seu pai, Santiago Grazina, Guadalupe Rodriguez Potra, contou-nos o seguinte :
Monte das Courelas - Capelins - Alandroal - 1936
Eram seis horas da tarde quando o mano João José parou o automóvel no largo do monte, mesmo em frente à porta da cozinha. Por sinais chamou o irmão Francisco que, sentado debaixo do grande sobreiro que dava sombra ao terreiro, olhava para ele sem dizer palavra mas também sem espanto.
Entraram na cozinha e depois de um rápido cumprimento, o João José, enquanto tirava o chapéu e se sentava, disse - " O homem já chegou, mas temos um problema. A filha vem com ele. Não quis deixar a criança em Espanha. Já os temos escondidos na alcaria, no outro lado da herdade." - A isto respondeu Francisco - " Esta noche se quedan aqui los dos, pero mañana la niña vai para o monte do Meio. Que idade tiene ella ? Diez años ? Nosotros vamos entregá-la aos cuidados da mana Guadalupe. " - Falava naquela sua maneira de se expressar, misturando sempre palavras portuguesas e castelhanas. E ia tirando do armário a garrafa do vinho e os copos, assim como o pão e um grande naco de presunto. Finalmente, sentados frente a frente, cada um em seu lado da mesa, falaram deste e doutros assuntos que os preocupavam. Francisco ficou a saber que o espanhol a quem iam dar guarida era do partido do Presidente da República de Espanha, Manuel Azaña, e tinha desempenhado, nos últimos anos, funções de concejal num município muito perto da fronteira. Ficou também a saber que toda a família do homem tinha sido dizimada pelas tropas mouras quando estas ocuparam a povoação. Apenas tinham escapado ele e a filha e quando a organização de apoio aos refugiados espanhóis, de que os irmãos Rodriguez Potra faziam parte, se disponibilizou para os fazer sair de Espanha, fora apenas pela criança que ele aceitara a ajuda.
(Prossegue amanhã)
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