quarta-feira, 14 de julho de 2010

VIAGEM ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA

(Continuação do dia anterior)

" VIAGEM ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA "

( Ou fragmentos da vida de uma família raiana ).

Como já sabem, Rosalía acabou por se suicidar no grande sobreiro que dava sombra ao monte das Courelas e a ausência de Guadalupe estava relacionada com essa tragédia. Este era um acontecimento que vinha juntar-se à morte do filho de Rosalía que, como decerto se lembram, tinha morrido afogado no tanque da horta quando ainda era criança.

... ainda sobre Guadalupe José e Santiago Grazina .... - um ano depois - ....
1939

Naquela manhã do fim do mês de Novembro, fria e chuvosa, já de invernia, cerca das oito horas da manhã, na Plaza Mayor da cidade de Badajoz, junto ao local em que habitualmente parava a camioneta da linha de transportes " la Estellesa ", dois vultos aguardavam, abrigados debaixo de uma grande umbrela. Eram um casal, homem e mulher. Estavam bem agasalhados e parecia que se preparavam para fazer uma longa viagem pois tinham com eles duas grandes malas que rebentavam pelas costuras, atadas por baraços que reforçavam a segurança dos fechos. Eram os já nossos conhecidos Guadalupe José Rodriguez Potra e Santiago Grazina.
Ele, refugiado da guerra civil espanhola, tinha sido recolhido e protegido pela família de Guadalupe quando passara, a salto, a fronteira entre os dois países. Durante o último ano vivera escondido no monte Novo, na herdade das Courelas, em Capelins, participando nos trabalhos do campo e enamorando-se de Guadalupe. Esta, que correspondia a esse amor, quando Santiago manifestou vontade de regressar a Espanha, falou com os irmãos e disse-lhes que o acompanharia, de nada valendo as advertências destes em relação à situação que se vivia no país vizinho e dos perigos que isso implicava. A guerra tinha terminado apenas há uns meses e a perseguição aos partidários da II República Espanhola, que acabava de ser deposta, continuava a fazer-se com muita ferocidade, os ajustes de contas eram diários, as prisões estavam cheias e todos os dias havia notícias de execuções por fuzilamento ou por meio do vil garrote. Todos estes argumentos não foram suficientes para demover Guadalupe de acompanhar Santiago.
Em face da obstinação de Guadalupe, não restou aos irmãos outra alternativa que não fosse utilizar, eles próprios, toda a sua experiência naquelas andanças e pôr em movimento a estrutura em que tinham participado nos últimos anos, salvando algumas dezenas de vidas de fugitivos do fascismo, assim como todos os conhecimentos que uma vida inteira de contrabandistas lhes tinha proporcionado. Aliás todos já tinham adivinhado que o destino de Guadalupe seria acompanhar Santiago. Quando verificaram que ela correspondia aos sentimentos dele, expressos todos os dias, de forma bem clara, e quando ela se mudou para o quarto de Santiago, dizendo que tinha encontrado o seu homem, ficou entendido por todos que aqueles dois estavam para sempre ligados. O fado de um, seria o fado do outro.
Assim, munidos de documentos falsos, que os davam como um casal de espanhóis em visita a parentes que tinham em Sevilla, esperavam agora pela camioneta da carreira da linha "La Estellesa " que fazia a ligação entre Badajoz e aquela cidade da Andalucia. Verdade seja dita, não fora fácil a obtenção dos vistos e dos documentos. Isso só fora possível devido aos contactos que os Rodriguez Potra tinham cimentado ao longo dos anos, e à disponibilidade que sempre, durante toda a guerra civil, tinham demonstrado no auxílio aos refugiados políticos. Por essa época existia já uma estrutura clandestina junto à fronteira, que os resistentes espanhóis e alguns portugueses tinham montado, e que iria resistir e aguentar-se durante os longos consulados franquista e salazarista. O próprio motorista da camioneta pertencia a essa estrutura e iria protegê-los e guiá-los durante a viagem, até os entregar, em Sevilla, a outro companheiro que por sua vez os encaminharia em segurança.
Lá embarcaram e partiram, depois de alguns olhares cúmplices trocados entre eles e o motorista e é por volta da entrada da camioneta na Andalucia que os deixamos.

(Continua...)

Sem comentários: