(Continuação do dia anterior)
" VIAGEM ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA "
( Ou fragmentos da vida de uma família raiana ).
Assim, Santiago Grazina, à medida que se encontrava melhor, mais recuperado e com mais forças, começou a reparar melhor naquela rapariga que todos os dias à mesma hora, sem falhas, aparecia para arejar o quarto, fazer algumas limpezas e trazer-lhe as refeições. Começou por ver que era uma mulher muito bonita, mais alta que o comum, duma beleza um pouco estranha, muito morena, nariz de corte aquilino e uns olhos cinzentos, enormes, que o deixavam encantado. Encantado talvez não seja o termo mais correcto para definir a forma como se " quedava " depois de a olhar nos olhos. Embaraçado era um termo mais adequado, mais autêntico e verdadeiro. Mas ele era poeta e que raio de poeta é que utilizaria o verbo embaraçar se tivesse ali mesmo à mão o verbo encantar ? ! Nas poucas vezes que falaram, fizeram-no sempre em castelhano, expressando-se ela sem qualquer sotaque. - " Fala com se fosse espanhola ... será que também ela é refugiada ? " - Pensando desta maneira, Santiago, mal pressentia que estava na hora da rapariga aparecer, tentava soerguer-se na cama e enquanto ela se movimentava no quarto, ele não lhe tirava os olhos de cima, até que um dia, Guadalupe, furiosa e incomodada, com os olhares que Santiago lhe dirigia, lhe disse, desta vez em bom português : - " Se não deixas de olhar-me dessa forma não virei mais limpar-te o quarto. " - Visivelmente embaraçado, já que não entendera nada do que Guadalupe dissera, Santiago ficou com uma expressão que reflectia perfeitamente a sua dificuldade em compreender a língua portuguesa - Guadalupe, no meio do quarto, com as mãos nos quadris, numa atitude desafiadora, com os cabelos em desalinho, disse : - " Ah ... não me compreendes ... " - e de seguida, terminando a frase em castelhano - " porqué me miras asi, coño ? "–
Santiago, pobre Santiago, tomava assim contacto com a natureza dos Rodriguez Potra.
( Vou interromper aqui a história dos amores de Guadalupe José e Santiago Grazina, porque entretanto a mana Rosalía, que se encontrava no monte das Courelas, no outro lado da herdade, teve um ataque súbito de loucura e a atenção de toda a família se concentrou nessa tragédia. Guadalupe, que se meteu imediatamente a caminho, deixou Santiago Grazina entregue a si próprio, com a recomendação de que não deveria sair de casa, pois a passagem dele, de Espanha para Portugal, ainda estava muito fresca na memória de todos e os perigos não tinham passado completamente. )
Durante quatro ou cinco dias, apenas andou entre o quarto e a cozinha. Estava sozinho em casa. Ao sexto dia não resistiu, sentindo-se com mais forças, tirou-se de meias medidas e foi sentar-se num dos bancos de pedra que ladeavam, do lado de fora, a porta da cozinha. Foi aí que Guadalupe o encontrou, acompanhado dos dois cães do monte, quando regressou.
(Prossegue amanhã)
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