terça-feira, 20 de julho de 2010

VASCULHAR O PASSADO - POR AUGUSTO MESQUITA

Quem se referir à Moagem “Ceres”, está obrigado a falar de Domingos Alfredo Barros

A panificação é talvez uma das artes mais antigas. Relíquias pré-históricas, desenterradas por arqueólogos, revelam os primitivos métodos da moagem, e panificação.
O moleiro dos tempos antigos, que desempenhava também o papel de padeiro, esmagava o grão entre pedras, obtendo assim, uma farinha que ele misturava com água. A massa obtida era então cozida, sobre cinzas quentes, ou lajes aquecidas para esse fim, transformando-se por este meio, em pães espalmados.
Com o tempo foi construído um novo processo, de moer grãos, movido pela força animal, ou manualmente, designado atafona. Seguiu-se o moinho de água, ou azenha, que como o nome indica, é movido pela água. A passagem da água, faz mover os rodízios de madeira, que estão ligados a uma mó, que mói o cereal, transformando-o em farinha. Por mera curiosidade, o nosso Rio Almansor albergou 28 moinhos de água.
Desde a pré-história, o homem procurou facilitar suas tarefas, visando automatizá-las e reduzir seu trabalho. Com a Revolução Industrial, iniciada em Inglaterra em meados do séc. XVIII, expandindo-se pelo mundo a partir do séc. XIX, a mecanização, deu um salto tecnológico, com a criação de evoluídas máquinas, nas quais se inclui a de vapor, que passou a ser utilizada nas moagens.
A primeira moagem a vapor, a de João Batista da Costa & Companhia, surgiu em 1821, em Lisboa, na Rua do Bom Sucesso, e moderadamente, outras foram surgindo, um pouco por todo o país.
Em 1916, surgiu na Póvoa de Santa Iria, a Cruces & Barros Ld.ª, matriculada em Fevereiro desse ano, com um capital social de 850 000$00, que correspondia às quotas dos sócios José Manuel Cruces Alvarez (423 000$00) e Domingos Alfredo Barros (425 000$00).
Pouco tempo depois do aparecimento da Cruces & Barros, Ld.ª, por iniciativa de um dos seus sócios, Domingos Alfredo Barros, nasceu em Montemor-o-Novo, a Sociedade Industrial “Ceres” Ld.ª. Esta importante Fábrica de Moagem e Panificação, a maior empregadora do concelho, mereceu de todos os consumidores, os mais rasgados elogios, graças à especialidade dos seus genuínos produtos, conseguidos através de um fabrico honesto.
A moderna indústria montemorense dispunha dos mais aperfeiçoados organismos de recente invenção, e de pessoal muito especializado. Os produtos ali fabricados honraram Montemor-o-Novo e o Alentejo.
A Ceres estava magnificamente instalada em edifício próprio, na Rua Curvo Semedo, e possuía também uma esplêndida oficina de panificação, em recinto apropriado para venda de pão ao público, no local hoje ocupado pelo “Cantinho dos Petiscos”.
Em 1937, vinte cinco anos antes do Estado ter implementado a Segurança Social, regulada pela Lei n.º 2115, de 18 de Junho de 1962, Domingos Alfredo Barros, criou no âmbito da sua fábrica de moagem e panificação montemorense, a Caixa de Auxílio, Previdência e Reforma do Pessoal da “Ceres”, que beneficiava 44 funcionários.
Do respectivo regulamento transcrevo as seguintes disposições:
Todo o pessoal empregado na Sociedade Industrial “Ceres”, Ld.ª, que tenha mais de um ano de serviço efectivo, passará a usufruir as regalias que a seguir se descrevem, até ulterior resolução.
Quando doente e enquanto permanecer em casa:
a) - Assistência médica em Montemor, pelo médico da Caixa;
b) - Medicamentos que lhe sejam receitados pelo mesmo doutor;
c) - Ordenado ou férias normais, dividas por três períodos:
§ um - Por inteiro, até 90 dias; quer sejam seguidos ou não; 2.º - metade, de 90 a 180 dias, nas mesmas condições; 3.º - um terço, depois de 180 dias, seja qual for a duração das doenças.
d) - Despesas de funeral, quando dentro do Concelho;
e) - Garantia do lugar quando chamado a prestar serviço militar;
§ dois - Se o empregado ou operário, chamado a prestar esse serviço, for chefe de família, será entregue à família, durante o tempo desse impedimento, metade do ordenado mensal ou do salário normal de oito horas;
f) - Gozo de licença anual com vencimento por inteiro;
g) - Reforma, nas condições descritas no respectivo regulamento.
Subsídios para os filhos menores
Aos filhos dos empregados e operários, será concedido um subsídio mensal de Esc. 10$00, até que atinjam 14 anos os rapazes, e 16 as raparigas, destinado à aquisição de vestuário e calçado.
Todo o empregado ou operário deverá mandar educar os seus filhos, logo que atinjam a idade escolar.
A Caixa pagará contra recibo, as mensalidades da Escola até ao grau de instrução primária, pagando igualmente os livros e mais material escolar, necessário à sua educação.
No ano de 1937, a Caixa de Auxílio, pagou 55.565$63 em subsídios como a seguir se descrimina: subsídio aos filhos – 31.050$00; rendas de casa – 4.396$00; farmácia – 3.511$40; salários na doença – 4.195$60; pessoal em férias – 1.509$40; reformas – 2.504$00, prémio de seguros – 4.485$23; médico – 3.600$00; diversos – 314$00.
Domingos Alfredo Barros cedeu desinteressadamente, por várias vezes, aos nossos Bombeiros, a sua viatura para transportar o Comando, nas suas primeiras deslocações oficiais.
Quando do ciclone que destruiu em Fevereiro de 1941, a Sociedade Carlista, Domingos Alfredo Barros cedeu graciosamente, o celeiro grande da Ceres, situado na Rua Sacadura Cabral, para instalar provisoriamente a Carlista.
Domingos Alfredo Barros ofereceu o trabalho de serração de toda a madeira, destinada ao actual Quartel dos Bombeiros Voluntários, inaugurado em Janeiro de 1954.
Domingos Alfredo Barros foi Vereador do Pelouro das Obras, e posteriormente, Presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo. A ele, se deve, entre outras obras, a Linha Maginot, com o seu vistoso muro, e com a linda calçada artística, e as avenidas de acesso, às ermidas de Nossa Senhora da Visitação, e de Nossa Senhora da Conceição.
No dia 2 de Novembro de 1948, com 66 anos de idade, o grande benemérito faleceu. A população montemorense prestou-lhe a última e sincera homenagem. Quando a urna chegou ao alto da Rua 5 de Outubro, ainda existiam pessoas, que acompanhavam o funeral, junto ao Chafariz instalado naquela extensa rua.
Um ano após a sua morte, foi colocada no sepulcro onde descansa, uma placa com a seguinte inscrição: Os empregados e operários da Moagem “Ceres” prestam homenagem ao que em vida foi patrão e bom amigo.
O antigo industrial, não é montemorense de nascimento, filho de espanhóis, Domingos Alfredo Barros nasceu em Lisboa, mas, adoptou Montemor-o-Novo como segunda terra natal, a terra onde casou, e assentou lar. A sua sabedoria, o seu dinamismo constante, e principalmente, a sua alma aberta e franca, fizeram-no em Montemor-o-Novo, personagem de grande relevo e influência.
Face ao que foi relatado, sou de opinião que, Domingos Alfredo Barros, merecia possuir o seu nome, numa rua da cidade, ao contrário de outros, que nada fizeram em prol de Montemor-o-Novo, e dos seus habitantes, e, inexplicavelmente, mereceram essa homenagem.

Augusto Mesquita

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