quarta-feira, 23 de junho de 2010

" VIAGEM ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA "

(Continuação)

" VIAGEM ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA "

( Ou fragmentos da vida de uma família raiana ).

Agora, cumprindo a ordem etária, vou falar-vos do tio Rufino.
Rufino José Rodriguez Potra, de seu nome completo. Irmão gémeo do meu pai, gémeo, mas não repetido, como gostava de frisar o irmão mais velho, o tio Francisco. Assim era, de facto. Sendo o meu pai, reflectido, calmo e ponderado, o tio Rufino era exaltado, nervoso e instintivo. Nunca chegou a casar, embora tivesse namorado todas as moças da região. É modo de dizer. Nalguns casos as relações eram muito mais que namoros. Envolviam mulheres solteiras e casadas. Estão a ver o estilo, não estão ? Pois bem, antes, pois mal, o tio Rufino foi assassinado, exactamente por causa de uma questão de saias, com motivações políticas pelo meio. Encheram-lhe o peito de balas. Os assassinos não ficaram sem resposta, mas isso é assunto para desenvolvermos noutra ocasião.
Resta acrescentar mais alguma coisa sobre a prima Evita e sobre mim própria. A Evita, minha prima, filha do tio Francisco, era da minha idade. Dezoito anos a completar nesse ano de 1965. Era a mulher mais bonita da família. Alta, morena, malares salientes e nariz aquilino, boca de lábios cheios, com os enormes e rasgados olhos cinzentos dos Rodriguez Potra. Já estava noiva na altura em que fizemos a viagem a Zafra. Casaria um ano depois.
E agora, eu : pois de mim pouco haverá a dizer. Apenas que serei eu a narradora desta " estória "
Pronto, estão apresentados todos os que vão partir para Zafra em visita ao tio Lorenzo e restante família.

Não foi fácil tomar a decisão de visitar o tio Lorenzo. Muitas e grandes dificuldades se levantaram logo que se pensou fazer a viagem. O passado de contrabandistas do meu pai e do tio Francisco, era o problema que se punha em primeiro lugar. É que aqueles dois não tinham sido contrabandistas vulgares. Para além de quase duas décadas de contrabando, averbavam o facto de terem passado para Portugal, a salto, durante a guerra civil espanhola, várias dezenas ou centenas mesmo, de refugiados republicanos que nessa época fugiam do Franquismo. No caso do meu pai, a questão ainda era mais complicada. É que ele tinha estado preso em Espanha durante cerca de três anos, e embora não tenha sido acusado de qualquer crime, e muito menos julgado, a verdade é que passara todo esse tempo em várias cadeias espanholas. Estivera preso, sem julgamento, na sequência do ajuste de contas que efectuara depois do assassinato do irmão Rufino. Depois de confirmar quem eram os autores da morte do irmão, de certeza certa, saíra para Espanha afim de executar a vingança. Executou. Mas só voltou três anos depois. No regresso não falou muito sobre o assunto. Retomou o trabalho no monte das Courelas, como se nunca tivesse estado ausente. Isso acontecera no princípio dos anos quarenta. E nunca mais voltou a Espanha. Apenas deu explicações à mulher, Maria da Conceição da Mota, minha mãe, e ao tio Francisco, seu irmão mais velho. Muito embora já tivessem passado mais de vinte anos sobre esses acontecimentos, a verdade é que todos tentaram tirar-lhe da cabeça a participação na viagem a Zafra. Baldado esforço. Depois de ouvir as razões da família disse que se não fosse possível acompanhá-los na passagem da fronteira, no posto do Caia, iria a salto, pelos velhos caminhos e veredas da sua juventude, pois, apesar do tempo que já tinha passado, não estariam assim tão diferentes, e quando os irmãos e sobrinhos chegassem a Zafra já ele lá estaria à espera. Como todos conheciam a sua teimosia, todos ficaram cientes que aquele homem iria visitar o tio, duma ou doutra forma. O tio Francisco e a tia Rosário manifestaram de imediato a sua disponibilidade para a viagem. Eu e a Evita, depois de alguma luta, fomos aceites como acompanhantes.

(Continua amanhã)

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