quarta-feira, 16 de junho de 2010

VASCULHAR O PASSADO – POR AUGUSTO MESQUITA

(Onde Augusto Mesquita recorda sempre algo que me faz acudir à memória semelhanças com o Alandroal: Desta vez as Sociedades (Artística e da Música).

Daqui a um ano A Sociedade Carlista alcança 150 anos de vida

A história das bandas filarmónicas em Portugal está intimamente ligada, à história do movimento associativo, que brotou da Revolução Liberal, ocorrida em 24 de Agosto de 1820. As ideias liberais fizeram germinar por todo o país, as populares Bandas Filarmónicas, que, desde então, começaram a ser vistas como peças fundamentais, do nosso Património Cultural.
Festa que se prezasse, não se realizava sem a participação da Banda Filarmónica da Terra. Ou então, se lá não existia uma, convidava-se a da povoação mais próxima.
A alusão mais antiga, feita a uma banda filarmónica do concelho de Montemor-o-Novo, refere a Filarmónica Montemorense, fundada no distante ano de 1830.
Nesse ano, e após viva troca de impressões e grande discussão, resultantes ambas, da impossibilidade material, de trazer de fora, certa banda de música, para abrilhantar uma festa religiosa, surgiu a ideia, por todos imediatamente aceite, de se organizar in loco, um grupo musical de amadores, que logo se constituiu, e, com ligeiras alterações no seu elenco, se manteve cerca de três décadas, como banda indispensável, de todos os espectáculos religiosos e profanos, que entretanto se realizaram.
Só trinta e um anos passados, sobre a fundação do primeiro organismo musical de Montemor-o-Novo, quando a morte ceifara quase todos os seus componentes e, eram velhos ou inutilizados, os poucos que restavam, em 30 de Junho de 1861, um outro grupo apareceu, como continuador do primeiro, dessa vez, constituindo-se em sociedade legalmente organizada, que teve os seus estatutos, aprovados por Carta Régia de 21 de Abril de 1862, ficando a chamar-se “Sociedade Antiga Filarmónica Montemorense”. Foi uma forma simpática, de homenagear a antiga filarmónica montemorense, mantendo o seu nome, na designação da nova Sociedade. Como músicos, inscreveram-se indiferentemente, trabalhadores e homens de fortuna da Terra, e foi escolhido para a regência, um dos seus executantes, de nome Carlos Simões.
Do facto de ter sido Carlos Simões, o seu primeiro regente, diz-se, veio depois à filarmónica, a alcunha de “Carlista”, nome com que mais vulgarmente, passou a ser conhecida.
Durante vinte e sete anos, deambulou a sociedade por casas de aluguer, primeiro, na Rua de Avis n.º 1-A, na antiga Pousada dos Morgados Laboreiros, depois, na Rua dos Marmelos n.º 13, e finalmente, na Rua Nova, no edifício onde está instalada a “Óptica Havaneza”.
Dentro da sua casa, a única divisa, era somente a politica musical. Pois dentro deste basilar principio, regeneradores, progressistas, republicanos e socialistas, esqueciam os seus credos políticos e partidários, e só actuavam no campo da nova agremiação musical – a sua Sociedade Filarmónica. Mas, foi irmandade de pouca duração.
Na década de oitenta do século XIX, a vida politica era bastante conturbada – regeneradores e progressistas, alternavam-se no poder. Não obstante os estatutos da colectividade, preverem que a mesma se destinava unicamente ao convívio, e recreio dos sócios, assim como à actividade musical, alguns associados, transportaram as suas opções politicas para a sociedade, criando desta forma, um mau ambiente. Fruto desta situação, um grupo de sócios abandonou a Carlista, e começou a trabalhar no sentido, de formar uma nova agremiação, com banda filarmónica.
Enquanto na Carlista, ficaram as tendências liberais mais conservadoras, na nova colectividade, integraram-se membros mais progressistas. Por meio de acções, conseguem os progressistas, construir um soberbo edifício, para sede do Círculo Montemorense, também conhecido por Pedrista, a qual foi inaugurada três anos depois, em 28 de Junho de 1864. Esta construção constituiu uma afronta para a Carlista, pois a sua sede, continuava a ser uma casa de aluguer.
O Visconde da Amoreira da Torre, Presidente Honorário da Carlista, nunca lhe passou pela ideia, fazer para a sua querida colectividade, qualquer pomposa sede. Mas, a acção do Círculo Montemorense, o seu desafio, a sua enorme influência associativa, tudo isso feria grandemente a “carolice” do Visconde, que não podia conformar-se…E, urdindo o seu plano de desforra, começa por comprar, grandes quantidades de acções da Pedrista. Para isso, servia-se de amigos, dispusera do seu prestígio e de dinheiro, e, quando chegou a possuir o maior número, distribuiu essas acções pelos sócios da Carlista, e promove uma disputada e célebre, assembleia de accionistas.
Poder-se-á ainda hoje, fazer uma ideia, do que foi essa aguerrida assembleia, cuja finalidade, era expulsar da sua própria casa, a entidade que com tanto sacrifício a construíra?

A razão defendida pelos Carlistas era que o edifício da Pedrista lhes pertencia, pois possuíam a maioria das acções. O resultado da assembleia é-lhes favorável. E, quando notificam a Direcção da Pedrista, que tem de sair da sua sede, esta intimação não é aceite. O caso é entregue ao poder judicial, que faz respeitar a resolução da assembleia de accionistas. Nos finais de 1888, a sede da Pedrista, passa para a posse da Carlista.
Depois de vários melhoramentos, e efectuada a mudança dos bens, instalados na Rua Nova para a adquirida sede, esta, foi inaugurada em 30 de Junho de 1889. As grandes festas da inauguração tiveram uma duração de oito dias memoráveis, nos quais estoiraram no ar, milhares de foguetes. Os seus bailes, em que o operariado e a fidalguia montemorense, se acotovelavam fraternalmente, deram brado pelo brilho e pela magnificência. Os festejos foram rematados por um grande bodo aos pobres.
As grandiosas festas da inauguração da nova sede, adquirida a accionistas da Pedrista, só foram possíveis, graças à “carolice” de alguns sócios, destacando-se muito particularmente, o grande amigo e protector da Sociedade – o Visconde da Amoreira da Torre. Depois, as festas sucederam-se…

Da demolição da velha sede, à reconstrução da actual.
Cinquenta e dois anos depois da inauguração da nova sede, a 15 de Fevereiro de 1941, sábado, um violento ciclone assolou todo o país, causando mais de uma centena de mortos, e milhares de feridos. Ainda que não se tivessem registado mortes em Montemor-o-Novo, muitas pessoas, tiveram de receber assistência no Hospital Civil de Santo André. O dia 15 de Fevereiro foi pavoroso, pode dizer-se, que não ficou um único telhado livre de estragos, havendo muitos, que ficaram completamente danificados. Dos inúmeros edifícios arruinados, o que mais sofreu com o tornado, foi a Casa da Sociedade Carlista. A velha sede, com quase 80 anos, acusava em 1941, os efeitos da sua avançada idade, e, depois do ciclone, ficou quase em ruínas. Parte do seu telhado, desapareceu, e as suas paredes, violentamente sacudidas pela violência da tempestade, ameaçavam ruína e perigo. Era impossível, a Sociedade continuar a utilizar-se da casa, e para isso, por amável deferência do Senhor Domingos Alfredo Barros, gerente da Fábrica Ceres, os bailes e reuniões, passaram a ter lugar, provisoriamente, no celeiro grande da referida fábrica, situado na Rua Sacadura Cabral, no local onde funcionou posteriormente a Oficina Magina.
Alguns sectários ligados à Pedrista, perante a derrocada do edifício que lhes pertenceu, exclamavam com alegria – Deus não dorme…
Com o propósito de se resolver, sobre a melhor forma, da reconstrução da sede, reuniu duas semanas depois, a sua Assembleia-geral presidida pelo Senhor António Moreira de Campos. Nessa Assembleia-geral, na qual foi nomeada uma Comissão de Obras, procedeu-se a uma subscrição que rendeu 3 790$00.
Decorridos dois anos sobre a tragédia, tudo se mantinha na mesma, até que numa magna Assembleia-geral, constituiu-se uma nova Comissão de Obras, a quem foram dados inteiros poderes, para demolir a sede e construir um novo edifício.
Dispondo apenas de dez contos e cem escudos, fruto de subscrições diversas, a nova comissão, composta pelos associados Henrique Pinto de Sá, João Luís Reinata, Alfredo Manuel Batista, António Nogueira e Joaquim da Cruz, em 10 de Agosto de 1943, meteu ombros à tarefa pesada e quase impossível, de apear o antigo edifício, e levantar no seu lugar, um edifício amplo e majestoso. Dezenas, muitas dezenas de pessoas, das mais variadas profissões, terminando o labor dos seus empregos, iam trabalhar para a colectividade, até que a luz do dia se extinguisse, e aos domingos desde manhã até à noite. Trabalhava-se desinteressadamente, absolutamente de graça, por devoção e amor à Carlista.
As receitas, conseguidas com diversos espectáculos, bailes na sede provisória, teatro no Rádio Cine, bailes, pugilismo e marchas populares no Estádio 1.º de Maio, e vacadas na Praça de Touros, davam um enorme jeito, à Comissão de Obras. Mas, as quantias alcançadas, eram insuficientes, e como tal, a Direcção solicitou um empréstimo de 100$00, por cada sócio, e contraíram-se dois empréstimos, um de 50 e outro de 20 contos ao Legado do Caixeiro.
Não contando com qualquer apoio do Estado, sete anos depois do ciclone, no dia 29 de Junho de 1948, procedeu-se à inauguração da nova sede.
Este feito histórico, realizado durante a segunda Guerra Mundial, só foi possível, graças ao esforço, e à boa vontade de todos, congregados no pensamento, de que, “faz mais quem quer, do que quem pode”. Como prémio do seu esforço, algo de importante foi realizado – o seu majestoso edifício, erguido em pleno coração da cidade, honra Montemor-o-Novo.
Em Junho do próximo ano, integrado nas comemorações dos 150 anos da colectividade, espero proceder ao lançamento do meu novo livro, intitulado – “Sociedade Carlista – pedaços da sua história”.

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