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Miguel Sampaio - A não-crónica
Segunda, 28 Junho 2010 11:10
Todas as semanas escrevo esta crónica em cima da hora, no limite do tempo, sempre na esperança que entretanto surja algum facto digno de comentário. Por vezes esse adiar até ao limite compensa, a maior parte das vezes nem tanto e acabo por comentar algo que se passou durante o transcorrer da semana.
Pede-se numa crónica de opinião um relato comentado, uma tomada de posição, uma chamada de atenção, uma fotografia de autor, assumidamente decorrente da visão particular, que lhe dá vida.
Hoje opto por uma não-crónica.
Poderia comentar a entrevista concedida pelo presidente da autarquia a um semanário regional, mas já muito foi dito acerca dessa entrevista, que, diga-se de passagem, nada acrescentou à clarificação acerca do que a meu ver, é fundamental para que saiamos, já não digo ilesos, mas inteiros, da situação complicada em que nos encontramos enquanto município.
Pareceu-me, para ser honesto, ser mais, um desesperado grito de solidão, do que um afirmar de vontade. Pareceu-me para ser simpático, mais uma justificação, do que uma afirmação clara de vontade e empenho em avançar com firmeza por um caminho consistente.
Recuso-me a atacar o homem por detrás do cargo, não porque seja isento de críticas, mas porque se o fizesse, estaria a dar espaço àqueles, que estando com ele, sustentando as suas opções, ratificando as suas decisões, sacudiriam à primeira oportunidade, talvez antes ainda das próximas eleições, a água do capote, negando qualquer cumplicidade, rejeitando qualquer participação no descalabro que se adivinha; para depois apresentarem exactamente as mesmas propostas, retocadas, afirmando alto e bom som para que os quiser ouvir a sua diferença, a sua vontade em mudar, o seu empenho em finalmente levar a carta a Garcia.
Não quero isolar o homem daqueles que o rodeiam, porque isso seria, apesar de uma pretensa mudança, manter na sua essência, as coisas tal qual estão.
Poderia também comentar o mundial de futebol, a qualificação para os oitavos de final, a chuva da golos à Coreia do Norte, o pesadelo decibélico das vuvuzelas, enfim alinhar no finge que anda, ou então... Dizer que enquanto os futebóis acontecem, decorrem também mais cortes nos nossos já escassos rendimentos, maquinam-se novas medidas para expoliar os trabalhadores europeus dos direitos sociais que foram conquistando, à custa de tantas lutas, no séc. que passou.
Poderia sublinhar isso com a notícia de várias ilhas gregas postas à venda pelo respectivo governo, quando ainda no início do ano isso se afigurava impensável.
Mas hoje opto por uma não-crónica, e faço-o apenas para retratar o não-rosto de quem se esconde por trás destas medidas, o não-rosto do capital especulativo, o não-rosto das imensas fortunas, da desigualdade, da fome, da miséria que já chegou.
O não-rosto da falta de coragem para dizer basta! E pôr essa não gente a andar.
Até para a semana.
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