segunda-feira, 28 de junho de 2010

ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA. ( ou fragmentos da vida de uma família raiana )

2ª Semana da ficção “viagem Alentejo Extremadura de Rufino Casablanca.

Para melhor esclarecimento volto a publica a introdução:
E é com muito gosto que publicamos alguns dos escritos que deixou. Como já aqui foi dito por quem o conheceu bem, o Rufino era muito desorganizado na sua vida pessoal e profissional. O seu espólio, musical e literário, se assim se pode chamar ao que compôs e escreveu, foi ficando pelas diversas casas em que viveu.
Depois da sua morte, os herdeiros, decidiram entregar a gestão desse espólio a Eveline Sambrás, a última mulher com quem viveu.
Pois é a Eveline que agora nos envia, com pedido de publicação, a narrativa, intitulada :
" VIAGEM ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA "
( Ou fragmentos da vida de uma família raiana ).
Ao contrário de outros escritos do Rufino, já aqui publicados, a narrativa não é feita por ele na primeira pessoa. Desta vez a narradora é uma jovem adolescente, de dezassete anos, e os factos narrados devem ser entendidos sob o ponto de vista de alguém que ainda tem pouca experiência da vida.
A acção desenrola-se em 1965, embora com olhares, muitos olhares, sobre o passado, e algumas perspectivas para o futuro.
A partir d'hoje e diariamente ( para que não se perca o fio à meada ) , iremos aqui colocar esta peça que retrata alguns episódios da vida de personagens já nossas conhecidas de outros escritos anteriores, nomeadamente de " Peças Soltas no Interior da Circunferência " e " A Geração Seguinte " .
XICO MANEL
P.S. ---- Para a Eveline Sambrás : Como sabe, este espaço estará sempre à disposição para este tipo de textos.
Cumprimentos.

(Continuação)

" VIAGEM ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA "

( Ou fragmentos da vida de uma família raiana ).

Fora em 1959 ou 1960. Lorenzo já não tinha bem presente o ano em que decorrera esse almoço. Corria o mês de Junho. Lorenzo soubera que don Ernesto se encontrava em Badajoz para acompanhar o matador António Ordóñez - ou seria Luís Miguel Dominguín ? - já não se lembrava bem, ... bom ... um dos dois seria ! ... Ou seriam os dois na mesma tarde ?... mano a mano !... Para animar a fiesta ! ... O matador ( ou matadores ) iria tourear numa das corridas de touros, por ocasião da anual Feira de São João, que se realiza naquela cidade.
Quando teve conhecimento da presença do escritor norte americano, na cidade capital de província, entrou em contacto com o seu velho amigo e companheiro de muitas aventuras e desventuras, Manuel Ortíz, que por essa altura vivia nos arredores de Villanueva del Fresno, para lhe propor que procurassem don Ernesto e reviverem, nem que fosse apenas por algumas horas, tudo aquilo porque tinham passado em Madrid nos idos de 1936. Esse amigo, Manuel Ortiz, era fotógrafo e acompanhara don Ernesto quando este, logo no início da guerra civil, trabalhava, como jornalista correspondente, para vários jornais americanos. Lorenzo prestava serviço como motorista, isto até a viatura ser requisitada pelos republicanos. A partir daí, por não haver automóvel, ficara apenas como amigo e companheiro, ajudando em tudo o que fosse possível. Até ao fim. Até o trio se desfazer pelas contingências da guerra.
Manuel Ortiz mandou dizer que teria muito gosto em voltar a encontrar os velhos companheiros, mas que não poderia ir a Badajoz, pois estava preso a uma cadeira de rodas e já não tinha saúde para esse tipo de deslocações. Para abreviar, direi apenas que Lorenzo, após várias tentativas de contacto falhadas, finalmente conseguiu que don Ernesto se encontrasse com eles naquela taberna.
Fora uma tarde memorável. Ernest Heminghway chegara acompanhado por alguns membros da quadrilha e por vários outros elementos da corte que sempre segue os matadores de touros nas suas digressões. À sua espera estavam Lorenzo e Manuel Ortíz, que já tinham providenciado o almoço junto do dono da taberna. Seria cozido, como todos gostavam. Depois, foi um nunca acabar de desfiar recordações. Tudo veio à baila : Desde aquela vez em que se viram debaixo de fogo, na frente da batalha de Guadalajara, em que os italianos tinham levado uma coça, até às noitadas em Madrid, já cercados por quase todos os lados. Enfim, nunca, naquela taberna, se tinham visto três velhos tão bem dispostos. Don Ernesto, falando castelhano, com um sotaque muito carregado, dizia que tinham sido os melhores tempos da sua vida. Talvez tenham sido, uma vez que, uns anos depois, poucos, meteu o cano da espingarda na boca e disparou. Foi então que o tio Lorenzo contou a sua passagem por Valle de los Caídos, relato que empolgou todos os presentes, como já disse. "
Não vou agora maçá-los com esse relato. Apenas trouxe este assunto à conversa porque, desde que chegáramos a Zafra, ainda não tinha visto o tio Lorenzo entusiasmado fosse com o que fosse. Dessa vez, sim. Relatou-nos o seu reencontro com o escritor norte americano com todos os pormenores.
E nestas coisas, as conversas são como as cerejas, atrás de uma vem sempre outra. Foi a vez do meu pai e do tio Francisco explicarem, também com grande soma de pormenores, as suas actividades durante a guerra civil e as consequências que daí advieram para eles e para toda a família. Foi a ocasião de voltar a falar do suicídio da tia Rosalía e da morte do tio Rufino, acontecimentos trágicos que, de certo modo, também estavam ligados à guerra. Foram quase cinquenta anos da vida da família que foram passados em revista nesses dias de permanência em Zafra.

(Continua amanhã)

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