sexta-feira, 25 de junho de 2010

ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA. ( ou fragmentos da vida de uma família raiana )

Diáriamente aqui no Al Tejo - continuação

" VIAGEM ALENTEJO / EXTREMADURA. IDA E VOLTA "

( Ou fragmentos da vida de uma família raiana ).

Almoçámos num restaurante de estrada. Antes, ainda durante a viagem, a Evita tinha proposto que, durante o almoço, o tio Jean Jaqcques não abrisse a boca. Para falar, bem entendido, pois para comer teria que abri-la sempre. Pretendia, com essa atitude, ver até que ponto conseguia confundir o dono do restaurante. O pedido das comidas, assim como todas as conversas à mesa, seriam da responsabilidade daquelas duas gerações de Rodriguez Potra. Tratava-se, segundo ela, de testar o conhecimento da família no uso da língua castelhana. Esse era um dos nossos orgulhos. Nós, éramos uma família bilíngue. Durante quase um século, nas nossas casas, sempre se falara tanto numa língua como na outra. Era uma homenagem que nós ainda prestávamos à matriarca da família, a avó Matilda. Queríamos manter viva a sua recordação, falando a sua língua de origem. Era uma tradição que todas as gerações vinham cumprindo. Em muitos casos -- no meu e no da Evita, por exemplo -- as nossas crianças, quando chegavam à idade escolar, falavam melhor espanhol do que português.
É claro que não enganámos o dono do restaurante, mas ainda hoje penso que foi mais pela matrícula da viatura que ele nos identificou, do que pela nossa forma de nos expressarmos.
Depois, até Zafra, foi um salto.
Estavam todos à nossa espera.
( .... e contava o tio Lorenzo, rodeado de toda a família, naquela grande cozinha, aquecida por uma enorme lareira, na sua casa nos arredores de Zafra .... - ( eu e a Evita, fascinadas por aquela personagem. O tio Lorenzo, com os seus oitenta anos, alto e magro, com os bigodes caídos no canto dos lábios, os olhos cinzentos muito escuros e com uma voz de barítono, calmamente, falava da sua vida durante a guerra civil, dos seus companheiros dessa época e de um encontro memorável que tivera com eles muitos anos depois ) -Fora no fim da década de cinquenta ou princípio da de sessenta - o tio Lorenzo já não se lembrava bem -
"Os olhos de don Ernesto brilhavam de satisfação. Não parava de tomar notas, naquele pequeno caderno que sempre o acompanhava. O vinho caseiro, o cozido de grabanços, vagens, batatas e abóbora, para além das carnes, evidentemente, tinham elevado ao máximo, entre os presentes, a boa disposição. Lorenzo contava, com grande soma de pormenores, a sua passagem por Valle de los Caídos. Não que a sua passagem por essas paragens fosse motivo para estimular os presentes, mas o tipo de linguagem utilizada, assim como os gestos que a acompanhavam, eram de tal maneira castiços, que todos tinham ficado presos à narrativa.
...don Ernesto, Ernest Hemingway, ele mesmo, estava sentado no outro lado da mesa, naquela taberna de Villanueva del Fresno, local de encontro combinado para o almoço que juntava à mesma mesa vários companheiros que tinham passado juntos por grandes trabalhos durante a guerra civil de Espanha. A grande mesa estava ocupada por cerca de dez pessoas, algumas muito jovens, que seriam ainda crianças na época da guerra, mas cujo interesse tinha sido despertado pela forma pitoresca como o tio Lorenzo descrevia o que se passara.

(continua ...)

1 comentário:

Anónimo disse...

OBS.

Bastante atento, continuo a esta Narrativa entrecruzada, em tom de rica e vasta saga familiar que faço por achar e espalhar que nenhum de nós,deve perder.

Por hoje,adiantaria que, de facto,o talento de um escritor define-se tanto pela grandeza das ideias e das novas situações que levanta,como se define na descrição da riqueza ds pequenos ou grandes pormenores de todas,ou de qualquer personagem.

Ora, é isso mesmo que pode ler-se aqui mais uma vez,desta vez deveras enriquecido pela referência a Don Ernest,o mestre e aquele que provavelmente tinha o largo dom escrito de saber Observar e de bem beber mais até do que falar.Se bem que também fosse um magnifico conversador,o que é outra coisa...

Quanto às referências permanentes à Guerra civil, também sei que só posso estar de acordo, porquanto foi uma guerra em que Portugal entrou pela porta errada.Assim como é um guerra cujas sequelas estão muito longe de estarem saradas. Vide o caso de B.Garzon.E do irredentismo das autonomias em vias de constante afirmação.Ou seja,nada no mundo da existência humana tem ou deve sequer ser linear.Daí que entre a realidade e a ficção, por mim,não sei dizer o que seja mais decisivo.Ou até o que quero escolher.


Com as melhores saudações ao RC

ANtónio Neves Berbem