sexta-feira, 30 de abril de 2010

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM

Transcrição da crónica diária transmitida aos microfones da :http://www.dianafm.com/

Martim Borges de Freitas - Um azar nunca vem só


Sexta, 30 Abril 2010 09:14
Portugal é um país cheio de azar. É espantoso como todos se espantam com o estado a que o país chegou. Devemos ter mesmo muito azar.
É evidentemente com ironia que hoje inicio esta crónica, na semana em que uma das mais importantes Agências de Rating do mundo atribuiu, baixando, mais uma má classificação a Portugal. É extraordinário, absolutamente extraordinário, que se impute ao exterior aquilo que é da exclusiva responsabilidade de Portugal. É claro que esse hábito, o de imputar culpas a terceiros, é já um hábito muito antigo e muito característico dos portugueses. Como poderia lá ser que fossemos nós, portugueses, os culpados do défice das contas públicas portuguesas? Como poderia lá ser que fossemos nós, portugueses, os culpados do endividamento externo português? Não, os especuladores, os mercados internacionais, as Agências de Rating, o grande capital, esses é que são os verdadeiros culpados, os grandes manipuladores, os tenebrosos abutres. Nós, não. Nós somos os pobres indefesos, as pobres vítimas...
Do ponto de vista económico-financeiro, Portugal tem um problema de fundo, o primeiro de todos os seus azares, que é o de ser incapaz de crescer economicamente, de forma acentuada e continuada. Na verdade, tem faltado a Portugal uma estratégia nacional que vise o crescimento do PIB, por oposição a uma outra, em curso há muitos anos, que visa exclusivamente o combate ao défice das contas públicas. Colocar a tónica no défice e jamais no crescimento, deu no que deu, com o resultado que se conhece.
Tirando aquele problema de fundo, Portugal teve, recentemente, em plena crise económico-financeira nacional e mundial, um conjunto de cinco outros azares que devem merecer atenção.
O primeiro deles teve a ver com o facto de, 2009, ter sido um ano de eleições. Quando há eleições, seja em que país democrático for, os governos, não importa a cor política que tenham, usam sempre a circunstância de serem Governo para tomar medidas eleitoralistas. É fatal. O PS e o Governo de Sócrates não fugiram à regra e injectaram na sociedade dinheiro que Portugal já não tinha. O resultado foi o agravamento do défice das contas públicas.
O segundo azar teve a ver com o facto de, das últimas eleições legislativas, não ter saído uma maioria parlamentar de um só partido ou, o que dá no mesmo, de não ter saído uma solução governativa estável apoiada numa maioria parlamentar. O resultado é que, à instabilidade económico-financeira, foi-lhe acrescentada uma forte probabilidade de instabilidade política.
O terceiro azar foi o de a Direcção Nacional do PSD não ter tido o discernimento de se demitir imediatamente após as eleições, uma vez percebido o quadro parlamentar em que o país havia mergulhado. Por muita razão que tivesse sobre o que andou a dizer durante a campanha eleitoral, a verdade é que o interesse nacional reclamava do maior partido da oposição uma outra atitude. O resultado foi o de que o espectro da instabilidade política se tornou mais evidente.
O quarto azar foi o de, face à ausência do PSD, o CDS não ter ocupado o lugar que o PSD deixou vago, nomeadamente aquando da discussão do Orçamento de Estado para 2010, como expliquei aqui, na Rádio Diana, numa outra crónica. O resultado é que nem o país saiu a ganhar nem o CDS se tornou indispensável.
O quinto azar é o de, hoje, no final do mês de Abril de 2010, olharmos para toda a turbulência internacional em torno de Portugal e pensarmos que se trata de um ataque a Portugal, em vez de assumirmos, de uma vez por todas, que a responsabilidade é nossa, só nossa e de mais ninguém senão nossa. Enquanto não tivermos a lucidez de assim pensarmos, não será possível colocar Governo, Oposições e Parceiros Sociais a remar para o mesmo lado. E é urgente, absolutamente urgente, que todos se ponham de acordo sobre o essencial, não apenas quanto aos objectivos a atingir, mas também quanto ao caminho a seguir para os alcançar. Para que não haja mais sobressaltos e o azar não nos venha bater outra vez à porta.
Martim Borges de Freitas

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