Desta vez o “Vasculhar o Passado” do nosso colaborador Augusto Mesquita, em nada se pode assemelhar a algo ligado ao Alandroal.
Em todos os seus artigos aqui publicados, se poderá fazer um termo de comparação com factos e realidades passadas na nossa Terra. No entanto não deixa de se abordar um tema, que além dos factos históricos narrados poderá servir para uma meditação do que poderia ter beneficiado o Alandroal caso o caminho-de-ferro não se tivesse quedado por Vila Viçosa.
Os Caminhos-de-ferro
O suprimido Ramal de Montemor, foi inaugurado há 100 anos.
Na segunda metade do século XIX, elementos da elite intelectual, política e económica, discutiam sobre a melhor forma de modernizar o país. Muitos defendiam, a necessidade de construção de vias de comunicação.
Após 1825, data da construção da primeira linha-férrea em Inglaterra, defendeu-se, a sua introdução em Portugal, como uma das formas de modernizar o país. Mas, Portugal ainda não se tinha recuperado das convulsões políticas, e das guerras civis, que enfrentou, e não permitiam obter capitais necessários, para tão importante investimento.
No entanto, os projectos foram sendo apresentados, e a partir de 1844, no apogeu do governo de Costa Cabral, surgem tentativas de passar-se à prática, e à concretização dos mesmos. Em Dezembro de 1844, funda-se a Companhia das Obras Públicas em Portugal, que apresenta como um dos seus principais objectivos, a construção do caminho-de-ferro de Lisboa à fronteira espanhola, com a clara intenção de ligar o país à Europa.
Em Outubro de 1845, publicam-se as Bases que o Governo de Sua Majestade D. Maria II, oferece para a construção de caminhos-de-ferro em Portugal, que não tiveram qualquer resultado prático.
Só após 1851, com o fim do governo cabralista, e o início de um período político conhecido por Regeneração, cuja figura de destaque, foi António Maria Fontes Pereira de Melo, se reuniram as condições para iniciar a construção da rede ferroviária nacional.
Iniciado em 1853, por uma companhia inglesa, o caminho-de-ferro, inaugurou-se em 28 de Outubro de 1856, entre Lisboa e o Carregado. Demoraria no entanto, mais de meio século, a achar-se concluída a rede ferroviária nacional.
Em 1861, o comboio já ligava o Barreiro a Vendas Novas, então freguesia pertencente ao Concelho de Montemor-o-Novo. O próximo troço previa a ligação à sede do concelho, cuja estação, estava prevista para o Rossio. Daqui, partiria um ramal para Mora, e a continuação da linha vinda de Vendas Novas, ia ligar a nossa Terra a Évora. Curiosamente, e por artes mágicas, a linha contorna a nossa vila, e chega à capital do distrito em 1863.
É difícil dizer, exactamente, o que se terá passado nesses dois anos, pois na altura, não existia nenhum jornal em Montemor-o-Novo. No entanto, foi afirmado, que terão existindo “outros interesses”, que moveram influências, de modo a evitar a passagem da linha-férrea pela vila. Terá sido, realmente, isto que se passou? Certamente, que ninguém possui a resposta, mas uma coisa é certa, e dá que pensar: Porque motivo, um projecto ambicioso, já aprovado, foi substituído por um outro, menos vantajoso para a nossa Terra, uma vez que este se destinava a ramal? E porque motivo, se esperou quase meio século, para passar do papel à execução da obra?
A concessão do ramal foi decretada em 12 de Junho de 1907, sendo chefe do governo, João Franco Castelo Branco, e as obras iniciaram-se em 16 de Setembro do mesmo ano. Para custear a obra, a Câmara Municipal de então, presidida pelo Senhor José Maria de Melo, contraiu um empréstimo de 170 contos na Caixa Geral de Depósitos.
. A inauguração – O povo de Montemor-o-Novo regozija-se por ver que a sua vila foi dotada dum valioso melhoramento, que representa um grande passo para o desenvolvimento do comércio e da agricultura, escrevia o Diário de Notícias nas suas páginas.
Foi às 11 horas e 32 minutos do dia 2 de Setembro de 1909, que partiu da Torre da Gadanha o primeiro comboio com destino a Montemor-o-Novo. O entusiasmo da população foi enorme “quando às 12 horas e 5 minutos, o comboio entrou pela primeira vez na Estação de Montemor-o-Novo”.
A Estação é muito vasta e alegre, com uma linda casa, pintada de cor de rosa, tendo todas as secções de telegrafia, modernamente instaladas, refere o Diário de Notícias.
Duas bandas de música da terra, Carlista e Pedrista, com uniformes vistosos, fizeram ouvir o Hino Nacional, no meio de muitas palmas e vivas. Não se podia calcular o delírio que atingiu a manifestação. O povo agitava chapéus e lenços, dava palmas, empurrava-se de encontro ao comboio. Os passageiros, porém, conservavam-se às janelas das carruagens, desfrutando a manifestação, que cada vez era mais intensa.
A Banda de Infantaria 17, saindo da carruagem, tocou igualmente o Hino Nacional, dando-se vivas a El-Rei, à Câmara Municipal, ao Governador Civil, aos amigos da terra, etc. etc.
A festa continuou, com as bandas a percorrerem as ruas, vistosamente ornamentadas, seguindo-se a Sessão Solene, para leitura do auto, e copo de água, na Câmara Municipal, então presidida pelo Senhor Dr. António Justino da Costa Praça. Seguiu-se uma tourada, concertos pelas bandas da Armada, e de Infantaria 17, bailes populares, e outras diversões.
Era, de facto, um grande dia para a promotora vila alentejana. O caminho-de-ferro, motor inquestionável de desenvolvimento, chegava finalmente.
O caminho-de-ferro em Montemor-o-Novo deve-se à tenacidade de José Gregório Feio Pereira Rosa, que contou com a colaboração dos seguintes montemorenses: Visconde da Amoreira da Torre, Alfredo Augusto da Costa Campos, José Filipe de Sales Castilho, Manuel Dias Santana e Joaquim Marques dos Santos.
Na comemoração do 25.º aniversário da inauguração do Ramal Montemor-o-Novo – Torre da Gadanha, a Comissão Administrativa da Câmara Municipal presidida pelo Senhor Dr. Alfredo Maria Praça Cunhal, inaugurou o Jardim da Estação, e mandou colocar na parte exterior do edifício do caminho de ferro, uma lápide comemorativa com a seguinte inscrição:
HOMENAGEM DA CÂMARA
MUNICIPAL DE MONTEMOR-O-NOVO
A JOSÉ GREGÓRIO PEREIRA ROSA
E A TODOS OS AMIGOS DE
MONTEMOR QUE CONTRIBUÍRAM
PARA A CONSTRUÇÃO DO RAMAL
DE CAMINHO DE FERRO
2-IX-1909 2-IX-1934
Com a assistência, de todos os membros da Comissão Administrativa do Município, e de todas as entidades oficiais, o Senhor Dr. Praça Cunhal, depois de proferir algumas palavras alusivas ao acto, e de declarar, que reserva para a Sessão Solene, que se ia realizar na Câmara, a homenagem, que esta quer prestar, a todos aqueles, que contribuíram, para a realização do melhoramento. Convidou para descerrar a lápide, o ilustre e venerável montemorense, Senhor Conde de Safira.
Em Abril de 1935, constava que a C.P., iria suprimir o serviço de comboios de passageiros, entre Montemor-o-Novo e a Torre da Gadanha. A Câmara Municipal solicitou uma audiência ao Conselho de Administração da C.P., e tomou conhecimento, da veracidade dos boatos, pois era intenção dos caminhos-de-ferro, transportarem os passageiros do Ramal de Montemor-o-Novo em autocarro. Graças à posição da Câmara, tal não se verificou.
De acordo com os horários que guardo religiosamente, em 1971, o comboio misto que ligava Montemor-o-Novo a Lisboa (Terreiro do Paço), fazia quatro circulações em cada sentido, e em 1981 os trajectos foram reduzidos para três.
Mas infelizmente, cinquenta e dois anos depois da ameaça de extinção acima referida, em Junho de 1987, o transporte de passageiros e de mercadorias, passou a fazer-se apenas três vezes por semana. Esta alteração foi o princípio do fim, pois três meses depois, em 27 de Setembro, ocorreu a última viagem do comboio que fez o trajecto Montemor-o-Novo / Torre da Gadanha.
O Ramal de Montemor, morreu ao fim setenta e oito anos de actividade, e esta morte anunciada, deixou Montemor-o-Novo mais pobre.
Duas décadas depois, o percurso do abandonado ramal ferroviário, quase sem desníveis, numa extensão de 12,891quilómetros, deu lugar à Ecopista do Montado, inaugurada no dia 8 de Março do corrente ano. Esta nova infra-estrutura desportiva, recreativa e de lazer, permite aos munícipes a prática de actividades ao ar livre, tão fundamentais para a saúde e bem-estar da população. O troço está habilitado para a prática de caminhadas, passeios ciclo turísticos, de BTT, em patins e a cavalo. Até à antiga passagem de nível de S. Mateus, o piso da ecopista é alcatroado, sendo de terra batida, até ao seu términos na Torre da Gadanha. A partir do Paião, está ligada através de Percursos de BTT sinalizados no terreno, com a Rede Local de Turismo de Natureza implementada. Este instrumento, destinado a aumentar a qualidade de vida, e garantir a forma física da população, surge no âmbito do projecto NATURALE, e representa um investimento de 541.948,78 mil euros. A obra foi comparticipada pelo FEDER com 402.905,91 mil euros, implicando para a autarquia montemorense, um investimento de 139.042,87 mil euros.
Termino com uma questão pertinente – Considerando que a autarquia montemorense, comparticipou a construção do ramal, com 170 contos, e uma vez que a outra parte envolvida no processo CP (substituída pela REFER em 29 de Abril de 1997), não cumpriu o protocolo, desactivando o ramal, pergunto: o nosso município não terá direito a uma indemnização, ou ao reembolso, com os respectivos juros? Têm a palavra, os juristas.
Augusto Mesquita
1 comentário:
FALTA UMA FOTO DA LAPIDEQUE ESTA NA ESTAÇÃO.
BOM ARTIGO.PARABENS.
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