sexta-feira, 25 de setembro de 2009

PÁGINA CULTURAL - (PELO DR JOSÉ ALEXANDRE LABOREIRO)

OS INTELECTUAIS E O SALAZARISMO

“Não se trata de levar a ler, mas de levar a pensar”
Montesquieu


Passado o auge dos Descobrimentos (final do séc.XVI), o nosso país entra numa recessão de pensamento (científico, cultural, económico, político, social) tal, que nos afasta tanto em relação à Europa desenvolvida, a pontos de – em 1971 – Antero de Quental (e o seu grupo da “Geração de 70” – Eça de Queirós, Oliveira Martins, Batalha Reis, Adolfo Coelho, Augusto Soromenho, Manuel de Arriaga, entre outros) justificarem o ciclo de Conferências no Casino Lisbonense com o propósito e – mercê de debates abertos, sinceros, patrióticos, democráticos – discutirem-se estratégicas,
pertinências, reformas, medidas políticas, culturais e económicas – de modo a encontrar caminhos que levasse Portugal (através do desenvolvimento do saber, da economia, da transformação de mentalidades, da promoção da Cultura) a tornar-se uma Nação livre, respeitada, culta e desenvolvida – de forma que as estradas e caminhos-de-ferro recentemente construídos, fossem vias de transporte de mercadorias e ideias produzidas por nós, para o exterior, e não apenas (como se verificava) meros caminhos por onde circulavam produtos e cultura que vinham do estrangeiro (para alimentar o nosso corpo e espírito); aproximando o país da Europa culta, democrática e de economia em crescendo; sendo, contudo, proibidas as citadas Conferencias pelo governo com reforço da assinatura do Rei.
Anote-se que, por esta altura, o recém fundado Partido Operário Socialista (a que pertenceriam José Fontana, Nobre França, Antero, Azevedo Gneco, Viterbo de Campos, Angelina Vidal – entre outros) se manifesta na intenção de promover reformas sociais, culturais, económicas – assentes na disseminação do mutualismo, na divulgação da leitura e na consciencialização cívica.
Por outro lado, uma vez que o País continuaria a afundar-se culturalmente, economicamente, politicamente – ao ponto e sofrer o ultraje do “Ultimato Inglês” (1890), o Partido Republicano (Teófilo Braga, Afonso Costa, Guerra Junqueiro, etc.) põe em causa a legitimidade do regime monárquico (que não desenvolvia economicamente o país, que mantinha um analfabetismo próximo dos 90%, e que protegia um ensino universitário (só existente em Coimbra) caduco, elitista, e de costas voltadas à ciência e à criatividade).
Este ruralismo, endeusamento das aldeias e dos campos, louvando o espírito puro e bem português do povo simples e campestre (e que estava longe dos bens da comodidade e da cultura que a cidade proporcionava – e que lhe eram negados) – encontramo-los nos poemas de Lopes Vieira, António Correia de Oliveira, na prosa de Agostinho Campos e Augusto de Castro (entre outros) – conforme nos transmite Luís Trindade (in “o Estranho Caso do Nacionalismo Português”) : forma literária que alimentaria a propaganda de António Ferro e outros mentores do Estado Novo.
Assim, nesta preocupação de enveredar o país na direcção do espírito ruralizado (longe dos malefícios da vida urbana, industrializada, que recebia as influências corruptoras do estrangeiro das ideias perturbadoras), numa política assente na tríade Deus, Pátria, Família, na exaltação desmedida do poder paterno sem as preocupações (e até controlando acerrimamente) com a divulgação da Educação e da Cultura criativas, opondo-se e dificultando, a industrialização do País (lembrando as discussões de Alfredo da Silva com Salazar, e recordando a pouca estima que Salazar tinha para com os rasgos de visão do Eng. Duarte Pacheco) , não nos admiramos do escasso número (segundo Sérgio Grácio) de quadros superiores e Profissões Liberais existentes no País até aos anos 60 do século passado: nomeadamente 11.200 em 1940, 28.400 em 1950, 73.500 em 1960: números escassos.
É certo que, durante muito tempo, não existiam sectores que assimilassem a necessidade de absorção destes quadros – sendo uma longa luta (mesmo no seio da União Nacional) – dando a entender a conveniência na industrialização do país, com a lógica formação de quadros superiores de suporte, e a consequente formação de Profissões Liberais (médicos, advogados, professores) a acompanhar este desenvolvimento económico: parecer partilhado, nos anos 50, por Leite Pinto, Pires de Lima e Marcelo Caetano. A isto, acrescem mais factores: a vitória dos Aliados na II Grande Guerra (que abriu obrigatoriamente o País ás influências desenvolvimentistas), as pressões da luta clandestina da Oposição Democrática ( com as candidaturas de Norton de Matos e Humberto Delgado, o “trabalho de sapa” do PCP e dos Republicanos junto da classe média, os planos de fomento que reconheceram a necessidade de formação superior de apoio, a pressão de economistas, engenheiros e agrónomos sobre a necessidade imperiosa da transformação empreendedorística do país, com a implementação paisagística de desenvolvimento no território nacional, e ainda as lutas estudantis dos anos 50 e 60 – visando o desaparecimento do elitismo na selecção universitária e a adopção de novos processos pedagógicos: lembrando nós o reparo do jornal “Encontro – da JUC – quando diz que”… de todos os lados a actual estrutura da Universidade está definitivamente posta em causa…Com efeito, o problema não é hoje só o da actualização pedagógica mas, muito antes disso, o da própria orientação básica, o de saber que espécie de homens se pretendem formar”.
Por outro lado, respondendo às reticências da ala mais conservadora do regime, em formar mais intelectuais e quadros superiores (invocando o excesso em relação ao mercado de absorção) diz -.nos António José Saraiva: “ Se por um lado há médicos a mais, por outro lado há médicos a menos à cabeceira dos doentes, e junto dos aldeões que percorrem quilómetros para ter uma consulta; se há professores sem colocação, há também um povo cujo nível cultural precisa de ser elevado rapidamente; se há engenheiros sem obras, há por outro lado aldeias primitivas, cidades desconfortáveis e todo um trabalho urgentíssimo por fazer de equipamento técnico nacional”. 1955.
O problema, porém, é que o regime olhava os intelectuais como um perigo político e social latente, pela capacidade de influenciarem a opinião pública e subverterem os valores e os efeitos da sua propaganda. Como Salazar referia a António Ferro, o que importava era “modificar pouco a pouco, pacientemente, as paixões dos homens, atrofiando-as,, esforçando-as a um ritmo vagaroso, mas seguro que nos faça descer a temperatura, que nos livre da febre”: e era o recurso à demissão de cargos públicos, de quadros superiores, a prisão de escritores, o julgamento em tribunal de artistas plásticos, a proibição de actores de se apresentarem em público, a censura dos livros, jornais e revistas (só passando as obras literárias sobre temáticas técnicas, viagens, monografias e monocórdicas do regime) sendo as mais visadas a poesia e a ficção – bem como os “ensaios” – voltando costas à literatura a ás artes. Era o ruralismo com que o Estado Novo nos aprisionava o espírito durante os anos escaldantes das décadas de 30, 40 e 50 – pouco mudando até Abril de 74

José Alexandre Laboreiro

(Transcrito da “Folha de Montemor” de Setembro 2009. com a devida autorização do Autor)

Sem comentários: