quinta-feira, 10 de setembro de 2009

PÁGINA CULTURAL - (PELO DR JOSÉ ALEXANDRE LABOREIRO)

A IMPRENSA LOCAL E OS VALORES CÍVICOS

«Em dez anos de exílio o imaginei// como os índios utópicos também eu queria// um outro Portugal em Portugal.// Mas quando regressei eu não o vi// como eles me perdi e nunca achei// o país sem mal!.»
Manuel Alegre (in”Carta a Sophia)


Ignacio Ramonet (in “A Tirania da Comunicação) diz-nos: “O conflito entre a imprensa e o poder é, de há um século para cá, uma questão sempre actual, mas adquire, hoje, uma dimensão inédita. Porque o poder já não se identifica unicamente com o poder político (que vê também as suas prerrogativas minadas pela ascensão do poder económico e financeiro) e porque a imprensa, os “média” já não se encontram numa relação automática de dependência com o poder político; o inverso acontece com frequência. Pode dizer-se até que o poder está menos na acção que na comunicação”.
Ora, se nós entendemos que uma imprensa isenta, culta, pertinente nos conteúdos e na escrita, de abordagem oportuna dos temas e arranjo gráfico cuidado , é incontornável no grau da nossa participação cívica (e assim na qualidade da vida democrática), teremos de igualmente relevar o nível deontológico, o espírito de equilíbrio profissional e consciência ética dos jornalistas, como pôr a nu, na opinião pública, os perigos a que conduz uma informação sedutora que segue até ao paroxismo a lógica do “suspense” e do espectáculo; é que, informar-se exige esforço, e a Democracia tem esse preço. Efectivamente, o jornalismo só faz sentido quando se relaciona com a sociedade: constituindo num vaivém contínuo, o montante e o jusante da palpitação social de uma comunidade humana: na vertente social, política,religiosa, económica, desportiva, cultural (sendo de lamentar a suspensão – nos jornais diários e semanários – da publicação dos suplementos culturais (onde Alice Vieira, Mário Castrim, Cardoso Pires, Maria Lamas, Reis Brasil tiveram um trabalho cultural inquestionável) – e que surgiram no Diário de Lisboa, Diário Popular, no Diário de Notícias, no Republica, no Primeiro de Janeiro, no Notícias do Porto e no Modas e Bordados).
Afinal, é lapidar a opinião de Thomas Jefferson (3º Presidente dos Estados Unidos). Ao afirmar: “Se tivesse de decidir se devíamos ter um governo sem jornais, ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento em preferir a segunda hipótese”. Albert Camus, escritor francês resistente à ocupação nazi da França, “pintando” de forma extraordinária a sua sociedade, vê os jornais como a História do Quotidiano, mercê do afloramento, à luz do conhecimento e da informação, da “alma” social (quer seja do Povo ou das Elites) – narrando factos, relatando acontecimentos, registando testemunhos (e assim permitindo fazer a história que a memória apaga no dia seguinte – mas que, na realidade deixa um rasto na memória de todos quanto lêem os jornais: dando documentação desta forma aos Historiadores das Mentalidades e – o que é pertinentíssimo – ajuda aos leitores a construírem uma opinião pública).
E é tanto mais incontornável o gosto pelos jornais no âmbito a Escola, quanto a cidadania se constrói a partir do precoce contacto com o jornal: não só pela familiarização com o estilo de escrita (muitos livros de Camilo, Eça ou Fialho de Almeida vieram à luz, inicialmente nos jornais; e há escritores, actualmente, a escrever nos jornais: Miguel Sousa Tavares, Saramago, José Eduardo Agualusa, Lobo Antunes, Inês Pedrosa, Baptista Bastos, e outros) , como levar a conviver com a multiplicidade de peças jornalísticas – desde a notícia à crónica, passando pela reportagem, entrevista, o artigo de opinião, o editorial ou a recensão de livros: em suma, conduzir ao prazer da leitura, ao gosto pela escrita, à apetência pela informação, à aquisição de valores axiológicos, abrindo caminho à aventura futura de uma intervenção e participação na vida da “polis” (da cidade, do país ou da Humanidade).
António Sérgio lembra-nos mesmo (no seu Manual de Educação Cívica) que a formação da cidadania deve mergulhar
As suas raízes na escola (que não deve envolver uma mera preparação
Para a vida activa, mas sim um hábito de construção anímica e de consciência que conduza o jovem a uma preocupação formativa constante, enquanto cidadão, ao longo da vida): e o jornal local tem um papel imprescindível nessa formação – na criação de uma coesão social, na instilação de um espírito de partilha, na inspiração dos valores da Democracia, na identificação com o Património Histórico Local, na assimilação dos autênticos valores axiológicos, na identificação com as verdadeiras Figuras morais, culturais, cientificas, históricas (enquanto arquétipos a merecer a admiração e a seguir o exemplo; em suma, na transmissão de linhas-de-força que, pela sua cambiante meritocrática, crie em cada cidadão, ou cidadão em potência, um espírito identitário em relação ao seu espaço natal ou de adopção – sem cair num bairrismo provinciano e vazio, porque antidemocrático e irracional. Por outro lado, é a partir do conhecimento e compreensão do “local” que (como nos lembra Marcel Reinhard) seremos conduzidos a compreender e a participar civicamente no “nacional” e no “universal”.
………………..
…………………….
Em Montemor-o-Novo, e em relação à sua imprensa local, seremos verdadeiros ao admitir que – nos dias actuais – é feito um jornalismo que dignifica a Cidade e o Concelho: considerando que, de facto, 2º Montemorense” e a “Folha de Montemor” (como jornais generalistas) têm preocupação com uma temática variada, pertinente, abrindo ao debate escrita de forma arejada, abrindo um convite a gostarmos do “interland”, com uma filosofia editorial democrática (demonstrando possuírem um “naipe” de colaboradores que gostam de jornalismo). De frisar, que ambos os jornais contam, nos seus quadros de colaboradores, com um grupo de jovens que, sabendo aliar a sua irrequietude juvenil, à sua saudável utopia e espírito de responsabilidade, revelam estar à altura – face ao recorte jornalístico dos seus trabalhos – de serem os continuadores, que irão manter viva a voz e a consciência das gentes desta Cidade e Concelho.
Por outro lado, porem, num âmbito de uma imprensa especializada, poderemos considerar que é publicada em Montemor uma Revista de Cultura, que é raro encontrar em qualquer cidade do interior no País: face ao alto nível cientifico, à beleza estética do seu grafismo, à profusão de temática cultural ( desde a História à Arte, passando pela Sociologia pela Arqueologia, pela Literatura, pela Heráldica, pela Epigrafia ou pela Antropologia) – com a particularidade de pôr a tónica predominantemente nas realidades locais (Montemor e Concelho): referimo-nos à Revista Cultural “Almansor”, uma edição da Biblioteca Municipal Almeida Faria.
Ao reler a listagem de jornais e revistas, publicadas em Montemor-o-Novo e constante do estudo de Gil do Monte sobre a imprensa no Distrito de Évora, constatamos que os títulos perfazem várias dezenas (desde o “Bijou” – 1883 – à “Folha de Montemor – 1989) – distribuída por cambiantes generalistas, humorísticos, literários, ideológicos, informativos, de entretenimento, escolares (alguns durante vários anos, e outros de muito curta duração) – mas testemunhando, neste espaço temporal de muito mais de um século, a vitalidade cultural de uma urbe, a força anímica de montemorenses preocupados em construir uma obra que abrisse mentalidades, na sua Terra, ao mundo das ideias; de notar, o aparecimento em alguns destes títulos, de colaboração de Figuras literárias como Eça, Fialho de Almeida ou Brito Camacho.
Tivemos conhecimento do propósito – por parte da Biblioteca Almeida Faria – de trazer publico a uma Exposição em redor da Imprensa Local em Montemor: tão antiga, tão variada, tão rica, tão corajosa por vezes. Uma proposta bastante relevante – pelo ineditismo, pela mais-valia cultural, pelo valor testemunhal: enquanto força de coesão e tónus cultura e identitário – que nos abrem o conhecimento do passado e nos impelem á demanda de um País aberto á Razão, á Ética e á Estética.

José Alexandre Laboreiro

(Publicado na “Folha de Montemor” Edição de Agosto 2009, e transcrito com a devida autorização do Autor))

Sem comentários: