segunda-feira, 21 de setembro de 2009

MEMÓRIAS DO RUFINO CASABLANCA - PEÇAS SOLTAS NO INTERIOR DA CRCUNFERÊNCIA

(Continuação)

Peças soltas no interior da circunferência

Francisco Rodriguez Potra de Avelar e Inácia Risso

1945


Quando Francisco Rodriguez Potra de Avelar, levou Inácia Risso, em 1945, para sua casa, e passou a viver com ela como se casados fossem, foram muitos os que se surpreenderam com aquela decisão. Porém, para aqueles que os conheciam melhor, a surpresa não foi assim tão grande. Quem estava de fora, isto é, quem não os conhecia bem, desde logo reparava na diferença de idades. Eram quase vinte anos que os separavam. Mas o que esses não sabiam era do extraordinário sentido de responsabilidade e da capacidade que a Inácia tinha, apesar da sua pouca idade. Desde a morte de sua mãe que era ela quem governava a casa. Desde os quinze anos que tratava do pai, que se entregara à bebida, e, melhor ou pior, lá ia gerindo o pequeno forno de lenha que toda a aldeia utilizava para cozer o pão. Era o forno, aliás, o principal sustento da família. Os que estavam de fora também não sabiam que o Francisco tinha para com ela uma enorme dívida de gratidão. A Inácia, pura e simplesmente, tinha-lhe salvo a vida. Isso acontecera quando ele já tinha quase trinta anos e ela estaria pelos doze ou treze. Numa daquelas confusões, sempre muito mal explicadas, e que não vêm agora ao caso, em que o Francisco e os irmãos frequentemente se envolviam, calhou que ele, que fugia de duas ou três espingardas, saltou a parede do quintal da Inácia, quando esta, já perto da meia noite, ainda se encontrava ao tanque da roupa. O susto maior foi para a rapariga, que só não começou aos gritos porque ele lhe tapou a boca com uma das mãos, enquanto com a outra continuava a segurar o pistolão que trazia empunhado. Quando a reconheceu disse-lhe : ---- " Vai chamar o teu pai " ---- ao que ela respondeu : ---- " O meu pai não está em condições de lhe valer. Venha, esconda-se aqui. " ---- Num instante ela tinha compreendido que aquele homem precisava de ajuda. Certamente estava envolvido numa daquelas situações complicadas em que a família Rodrigez Potra era pródiga. Só passados dois dias é que conseguiu sair de casa dos Rissos. E foi ela quem lhe preparou a saída, com todos os pormenores, como se nunca tivesse feito outra coisa na vida que não fosse preparar fugas a homens acossados.
Passaram-se os tempos e só voltou a vê-la no funeral do pai, o velho Risso, sete anos depois. Nessa altura já a Inácia era uma linda mulher, tinha botado corpo, e era dona dos mais bonitos olhos negros de toda a região. E não escondia o amor que sentia por Francisco. Em determinada altura, quando pensara, aliás com razão, que o Francisco andava de amores com Dona Carlota Joaquina, mulher do Capitão Ferradeira, comandante da companhia da Guarda Fiscal, estacionada em Capelins, chegara a provocar a mulher do capitão em plena rua. Esta atitude, a insistência e o constante oferecimento da rapariga, fizeram com que o Francisco Rodriguez Potra de Avelar começasse a pensar que estava na altura de assentar cabeça e arranjar alguém que lhe fizesse companhia para o resto da vida. O irmão João José estava preso em Espanha, na sequência de um ajuste de contas efectuado em Cheles, enquanto sua mulher Maria da Conceição da Mota, continuava a viver no Monte das Courelas em Capelins ; A irmã Guadalupe saíra de casa em 1938 para acompanhar um republicano espanhol, e mais tarde, aquando da vitória do General Franco na guerra civil espanhola, fugira para França, onde participara na resistência à ocupação nazi. Estava agora na Argélia com o companheiro que era sargento na Legião Estrangeira Francesa. A outra irmã, Rosário, tinha casado com um oficial da Guarda Fiscal e vivia em Elvas, já com um filho. Destas duas, e dos filhos delas, falaremos mais tarde. Com os irmãos Rufino e Rosalía, já todos sabemos o que se passou : Ele foi morto junto à igreja de Nossa Senhora da Fonte Santa, e ela suicidou-se, enforcando-se no sobreiro que dá sombra ao pátio do Monte das Courelas. E era ele, Francisco, precisamente o mais velho dos irmãos, que continuava a viver, sozinho, no Monte do Meio, muito perto do local em que o irmão Rufino tinha sido assassinado. Não estamos a ser exactos nesta narrativa O Francisco não vivia sozinho na Monte do Meio. Ali viviam também Juan António Casablanca e sua filha Antónia Casablanca, aqueles refugiados da guerra civil de Espanha, que tinham chegado a Portugal em 1937, e que ali permaneciam desde essa altura, clandestinamente. Como devem estar lembrados, esses dois refugiados viriam a ser, respectivamente, o avô e a mãe do Rufino Casablanca, autor destes textos. Era importante referir este pormenor porque foi precisamente a espanhola, Antónia Casablanca, da mesma idade de Antónia Risso, quem serviu de apoio a esta e foi a sua grande companheira, depois de ter passado a viver com o Francisco Rodrigez Potra de Avelar.

Rufino Casablanca

Terena, Monte do Meio, Julho de 1970

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