quarta-feira, 9 de setembro de 2009

MEMÓRIAS DO RUFINO CASABLANCA - A GERAÇÃO SEGUINTE

(A Geração seguinte)
Histórias de gente nascida entre 1940 e 1960


João António Montalegre e Rosalía Rodriguez Potra da Mota Montalegre, estavam agora separados. Ele vivia em Évora, na casa em que tinha nascido. Ela vivia no monte das Courelas, em companhia de seus pais, João José Rodriguez Potra e Maria da Conceição da Mota. Vários acontecimentos tinham levado à separação do casal: Primeiro, o envolvimento do João António no movimento dos capitães que tinha, em 25 de Abril de 1974, derrubado o regime político vigente em Portugal. Foram muitos meses de luta política que culminaram com a sua prisão. Apoiou o General Vasco Gonçalves durante o período em que este foi Primeiro Ministro, tendo desempenhado ainda funções de alguma responsabilidade no âmbito do Movimento das Forças Armadas e na sequência do 25 de Novembro, fora preso, juntamente com vários dos seus camaradas de armas. Não que Rosalía não apoiasse o marido, bem pelo contrário, até tinha posições políticas mais radicais, mas quando saiu da cadeia, João António vinha diferente. Muito taciturno, passava semanas sem falar e a relação entre os dois fora-se degradando pouco a pouco. João António apenas se soltava com a filha de ambos, Maria da Conceição. Era com ela que passava a maior parte do tempo, e era só nesses momentos que o viam sorrir. Quando, passados uns anos a filha foi para Madrid, estudar para o conservatório de música, ainda se tornou mais sorumbático. Foi precisamente um acontecimento relacionado com a filha que o afastou definitivamente de Rosalía. Maria da Conceição, que entretanto tinha casado muito jovem, deu à luz, em Madrid, uma criança mestiça. Da parte da família do marido depressa se chegou à conclusão que não havia motivo para nascimento tão invulgar e da parte dos Rodrigues Potra Montalegre, foi a prima Evita Casablanca, na sua qualidade de advogada, quem se encarregou de apurar se havia algum motivo para a origem da cor da criança. Deve desde já ser dito que ninguém duvidou, quando a Maria da Conceição garantiu que não tinha enganado o marido. Aliás, foram feitas análises que garantiram que o bebé era filho de ambos. A Evita, a quem a prima Rosalía confidenciara, em tempo próprio, o que se tinha passado quando ia a caminho de Luanda, em 1973, apenas teve que seguir o rasto do Jorge de Almeida Araújo, o homem com quem a prima tinha passado aquela noite, e que segundo sabiam, teria vivido na zona de Viseu, depois de ter sido saneado, do Ministério do Ultramar, onde era funcionário superior antes do 25 de Abril de 74. Precisou apenas de uma semana e de algumas notas de cinco mil escudos para chegar a conclusões. Quando voltou ao monte do Meio, onde vivia, mandou chamar Rosalía, e fez o seguinte relatório: ---- " O Jorge de Almeida Araújo era natural de Angola, a avó era negra, o pai era mestiço e a mãe era branca. Ele, embora muito moreno, herdara a fisionomia da mãe. Mais, a própria Evita falara com uma das filhas do Jorge Araújo e verificara que era um belíssimo exemplar daquilo que os portugueses andaram fazendo pelo mundo, quando se meteram ao oceano, e se começaram a misturar com os diversos povos que foram encontrando pelo caminho. " ---- Rosalía, deixara cair o queijo e ficara de boca aberta a olhar para a prima, compreendendo o alcance daquilo que a outra lhe dizia. E continuou Evita, depois de tomar fôlego. ---- " Isto, prima, quer dizer que tu engravidaste naquela noite na ilha do Sal, e não durante os dias seguintes quando estiveste com o teu marido em Angola. Resumindo, a tua Maria da Conceição é filha do Jorge de Almeida Araújo e não do João António dos Santos Montalegre. " ---- A Rosalía continuava calada e de boca aberta, sem saber o que dizer. Continuou a outra: ---- " Os nossos pais, apesar de todos os problemas da vida deles, nunca tiveram um berbicacho destes para resolver. Credo prima, credo, e eu que pensava que a maluca da família era eu. " ----

Dias depois, Rosalía pediu a Maria da Conceição para vir de Madrid, onde esta tocava violoncelo numa orquestra sinfónica. Reuniu pai e filha na casa de Évora, e acompanhada da prima Evita, deu todas as explicações, dizendo que preferia assumir as consequências, fossem elas quais fossem, do que ver a filha infeliz para o resto da vida, não sabendo a que atribuir o facto de ter um filho mestiço. Maria da Conceição, voltou ainda nesse dia para Madrid, dizendo que precisava de tempo para compreender o que acabava de ouvir, não sem antes ter perguntado ao pai se a queria acompanhar. Este disse que não, e sem mais palavras foi para a sala que lhe servia de escritório, deixando Rosalía e Evita sozinhas.

Passaram dois dias em que não trocaram palavra, e quando numa tarde em que Rosalía regressava da escola em que continuava a ser professora, vendo João António de mala feita, preparando-se para sair, perguntou: ---- " Posso ao menos saber para onde vás ? " ---- " Vou para casa da nossa filha, em Madrid, e levo o carro pequeno. Depois telefono. " ----Isto tinha acontecido há dois anos. João António nunca telefonou nem voltou a Portugal durante todo esse tempo.

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Para o blogue do Sr. Francisco Manuel, texto do Rufino Casablanca, enviado por Eveline SanBrás.
( do quarto e último retrato, " postado " em 27 / 04 / 2009 . )

Eveline Sanbrás
Mina do Bugalho.
Alandroal, Agosto de 2009.


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(Agradeço á Eveline o texto enviado, mas confesso-me casa vez mais baralhado: estou a chegar à conclusão que afinal o Rufino além de ser um “estroina” completo, com muitas virtudes e alguns defeitos (mulherengo, bom-vivant, grande amante do belo sexo, era também um desleixado que escrevia em momentos de grande inspiração mas não tinha o cuidado de juntar os seus textos para mais tarde haver uma sequência lógica nas sua fabulosas memórias. Vai ser uma “carga de trabalhos” juntar tudo o que ele nos legou para uma futura publicação.
Felizmente que as suas viúvas se entendem ás mil maravilhas. Continuo a contar com a vossa colaboração para prestígio deste espaço.)
Chico Manel

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