A Geração Seguinte
Evita e Rufino Casablanca
(gente nascida entre 1940 e 1960)

---------- V I ----------
"Não insistas pai. Eu não quero ficar cá.
Sabes perfeitamente que a mãe e o Rufino não ficarão se tu abalares a meio das férias.
A mãe quer ficar até ao fim do mês. Foi ela que me disse. E o Rufino também.
Mesmo assim penso que devias ficar. A mãe sente-se muito mais segura contigo aqui.
Não quero continuar a discutir isto. Se não for contigo, vou sozinho de comboio. Francisco, vê como falas. Admito que queiras estar junto da tua namorada... mas...
Não é por isso que quero sair daqui. Estou-me nas tintas. É que já não me sinto bem cá.
De qualquer forma não era boa ideia ires comigo de moto. É muito perigoso como sabes.
Se é assim tão perigoso porque vieste tu na moto? Não queres é levar-me contigo. Olha filho, por vezes é preciso ter paciência. Nem sempre podemos fazer o que queremos.
Eu sei que não. Foi assim que vocês me ensinaram. Mas agora trata-se dum caso especial.
Aos dezasseis anos tudo são casos especiais. Não sou assim tão velho para me esquecer.
Exactamente por eu saber que não és velho é que pensei que compreenderias.
Francisco, compreender o quê? Se ainda não me deste uma razão válida.
Pai, eu tenho as minhas razões e posso não as querer compartilhar com outra pessoa.
Para mim é muito difícil aceitar que tu, de repente, não estás a gostar das férias.
Não se trata de gostar ou não gostar, pai. Simplesmente estou cansado.
É preciso arranjares argumentos mais válidos para me convenceres.
Está bem, pai. Não queria meter-me... porque isto só diz respeito a ti e à mãe. Aqui vai.
O quê?... O que se passa?... Finalmente, começas a ser lógico.
A mãe há seis dias que sai depois do jantar e só regressa por volta das seis horas da manhã.
O que queres dizer com isso?
Exactamente o que ouviste. A mãe não tem passado as noites no hotel.
Sabes se a mãe vai até ao casino e se.... Se entretém lá até essa hora?
Não vai ao casino, não. Eu sei... eu sei aonde ela passa as noites.
E podes dizer-me aonde é?
Não quero meter-me nesse assunto. Esta questão só a vocês diz respeito.
Parece-me tarde para ficares calado. Já que chegaste a este ponto tens que continuar. "
A mãe passa as noites com um amigo, colega dela, num apartamento... aqui perto.
Pareces muito seguro do que estás a dizer. Tens a certeza?
Claro que tenho, pai. Isto é lá coisa para se dizer... sem ter a certeza.
E como é que tens tanta certeza?
Porque há duas noites a segui na moto do Rafael, um dos amigos do nosso grupo.
E... por isso... queres ir embora?
Claro, pai. Não quero estar aqui, agora que o meu grupo de amigos sabe o que se passa.
Como sabem eles o que se passa?
Porque eu pedi ao Rafael para seguir a mãe, de madrugada, quando viesse para o hotel.
E o teu amigo fez isso? E confirmou tudo?
Já não sou amigo dele. Mas sim... viu-a sair daquele edifício... e seguiu-a na moto.
O teu irmão sabe alguma coisa disto?
Também tive esse receio. Pensei que algum rapaz do grupo lhe dissesse... mas não.
Sabes como ele é apegado à mãe. Se soubesse já teria falado com ela... acho eu.
A mãe só deve chegar de madrugada, outra vez. Saiu há pouco. Foi para a Quinta do Lago.
Para a Quinta do Lago? Sim. Ela disse-nos aonde ia. Até deixou um número de telefone.
E o que foi ela fazer para a Quinta do Lago?
Acho que o pai do homem com quem ela tem andado dá uma festa de aniversário.
Que coisa tão estranha! Pelos vistos a família também já está envolvida.
Vieram buscá-la hoje de manhã num automóvel grande, com motorista fardado.
Tudo isto é muito estranho. E o mais estranho ainda é eu estar a ter esta conversa contigo.
Pois é, pai. Pelo menos ficaste a saber que já não sou... um miúdo.
E cheio de razão quando dizes que este é um assunto meu... e da tua mãe. “
Esta longa conversa, passou-se entre pai e filho, Rufino Casablanca e Francisco Casablanca, logo após a chegada do primeiro a Monte Gordo. Viera de moto, de Lisboa, demorara pouco mais três horas, numa velocidade estonteante e apenas encontrara o filho mais velho no hotel. Na véspera, sábado, tivera uma reunião com os executivos da empresa discográfica que pretendia lançar no mercado de língua espanhola um disco dos " Trovattore ". Na manhã seguinte, domingo, cerca das onze horas, recebera um telefonema do seu filho Francisco a pedir-lhe para vir imediatamente a Monte Gordo, pois tinha um assunto de grande importância para tratar com ele. Apesar de detectar na voz do filho uma grande ansiedade ainda lhe dissera que tratasse do assunto com a mãe e só decidira meter-se ao caminho quando o rapaz lhe disse: " Ou vens cá ou eu meto-me num táxi e vou ter contigo. " Tentara ainda falar com a mulher, mas não a apanhara no hotel. Quando chegou e ouviu o filho dizer que apenas queria regressar a Lisboa, esteve quase a perder a paciência e até pensou zangar-se a sério. Felizmente que não perdera a calma porque o assunto era de facto de muito importância. O filho tinha razão. Era necessário tomar uma atitude. A ser verdade tudo aquilo que o Francisco lhe contara, era urgente confrontar Evita com a situação e resolver de vez a vida deles. Agora não seria tão tolerante como tinha sido com o que se passara em Barcelona e com aquele nunca bem explicado caso dos preservativos. Ele próprio estava na disposição de dar novo rumo à vida, não só no aspecto familiar mas também no profissional. Estava até a pensar sair do país. O problema seriam os filhos, mas isso ver-se-ia no momento próprio. Era domingo, sete horas da tarde e foram buscar o filho mais novo, que não sabendo ainda que o pai tinha chegado, estava em casa de um amigo que se hospedava nas proximidades. Não voltaram a falar sobre o assunto objecto da longa conversa que tiveram, mas era visível o nervosismo do filho mais velho e Rufino num momento em que o outro filho se afastou, disse-lhe, muito calmamente: " Não te preocupes, Francisco, verás que resolveremos este assunto da melhor maneira. “ Telefonara várias vezes para o número que Evita deixara aos filhos, mas a resposta fora sempre a mesma: " A senhora não se encontrava na residência, tinha ido para a tenda aonde se realizava a festa de aniversário, mas iriam providenciar para lhe fazer chegar o recado do marido. " Desistiu de tentar contactá-la por volta da hora de jantar. Levou os filhos a petiscar umas tapas numa tasca de Vila Real de Santo António, propriedade dum conhecido seu, e voltaram ao hotel por volta das três horas da manhã, depois de terem assistido ao espectáculo na praça do município, em que actuavam alguns músicos seus amigos. Serviram-se do carro da mulher, já que esta o deixara no parque de estacionamento do hotel e utilizara, na sua saída, a viatura em que a tinham mandado buscar. Quando chegaram aos quartos já Evita os esperava. Estava calma, sorridente, e desculpou-se com o facto de apenas lhe terem transmitido o recado do marido no fim do jantar, quando era quase meia-noite. Demoraram algum tempo a arranjar-lhe transporte e, de facto, tinha chegado há momentos, segundo disse. Falava calmamente, mas Rufino que a conhecia bem, notou uma grande tensão nela. Tinham um problema para resolver, disse o marido, mas fá-lo-iam no dia seguinte, agora não era hora para isso. De seguida deitou-se e adormeceu, ou pelo menos assim parecia. Ela, espantada com as facilidades e cortesia do marido, verificou se os filhos já estavam deitados e deitou-se também ao lado de Rufino.
---------- V I I ----------
No dia seguinte logo pela manhã, seriam oito horas, Rufino pediu aos filhos para descerem e que ficassem na piscina até os pais os chamarem. Em seguida disse a Evita que precisavam de ter uma conversa. Conversa que travaram sentados frente a frente e que decorreu da seguinte forma:
" Evita, em face das circunstâncias, perante tudo o que está a acontecer, parece-me que o mais sensato é falarmos com franqueza, de forma a salvaguardar a relação futura, seja ela qual for, visto que temos dois filhos em idade complicada, e deve ser isso que mais nos deve preocupar agora.
O que queres dizer com isso?
Evita, não vamos voltar à conversa de surdos. Ambos sabemos que estás envolvida com outro homem. Não concordo com essa tua atitude, mas também não vou atirar as culpas todas para cima de ti. Quando as coisas não correm bem entre um casal a culpa nunca é apenas de uma das partes, ambos são responsáveis. Portanto, eu também tenho a minha quota-parte de culpa em tudo o que está a acontecer. Poderíamos era ter resolvido a questão de outra maneira e não ficarem mágoas e traumas em ninguém. Ou, pelo menos, minimizá-las. No caso presente, parece-me que essas mágoas e traumas já são irreparáveis, sobretudo no que diz respeito ao nosso filho mais velho.
O que tem o Francisco a ver com tudo isto?
Foi o Francisco que me contou tudo o que se está a passar, pois tu, deves estar de tal forma transtornada com o teu romance que nem pensaste que os nossos filhos se aperceberiam que alguma coisa tinha saído da normalidade.
Não vou negar que me tenho encontrado com outra pessoa, mas não é nada de sério, não é um romance. Eu não quero perder os meus filhos.
Suponho que não os perderás, mas o tipo de relação que tinhas com eles decerto será afectado, pelo menos com o mais velho, a avaliar por aquilo que ele me disse.
E como pensas tu resolver a situação?
Não quero continuar casado contigo. Tampouco quero um divórcio conflituoso. Quero apenas tratar agora do que devia ter tratado há uns anos atrás. A divisão dos nossos bens fica a teu cargo, pois não me parece necessário arranjar um advogado para esse efeito. Nesse aspecto acho que posso confiar em ti. Apenas ponho como condição que sejas rápida a tratar de tudo.
Falas com tanta convicção que até parece que há muito tempo tens ideias bem assentes sobre o nosso divórcio. Ou será que estás apenas a aproveitar uma situação absolutamente casual para te veres livre de mim?
Evita, uma situação absolutamente casual não é estares há uma semana a dormir fora de casa sem te aperceberes que o teu filho te espreitava a todo o momento. Não é casual ignorares os males que a tua conduta pode causar num rapaz daquela idade. Não é casual, os amigos dos teus filhos murmurarem, nas suas costas, sobre o comportamento da mãe. Peço-te que, pelo menos agora, te comportes com alguma dignidade.
Fala o homem sério, o homem íntegro, o homem que não tem culpas no cartório.
Deixa-te de ironias. Já te disse que também me sinto culpado. Estou apenas a tentar preservar alguma coisa da nossa relação que, para o caso de estares esquecida, já tem muitos anos.
Queres dizer.... Acaba assim e pronto.... Não é?! ....
Confio em ti para resolveres os problemas legais. Acho que nas presentes circunstâncias nem todos fariam isso.
Não podemos voltar a falar sobre todo este assunto? Dentro de alguns dias, com mais calma e serenidade?
Não. Não vou sair desta posição. É irrevogável.
O que se passou não tem nenhuma importância, foi apenas uma aventura inconsequente e que não terá prosseguimento. Juro.
Devias ter-te lembrado disso antes do nosso filho se alarmar com o teu comportamento e começar a seguir-te. Aliás, é nele que reside o nosso maior problema, não é comigo. Eu já devia ter tomado esta atitude há mais tempo.
É, então, essa a tua vontade?
" Esta, exactamente. "
Chamaram os filhos, explicaram a situação o melhor que puderam, sem mencionar os últimos acontecimentos, para protegerem o filho mais novo e depois Rufino e Francisco partiram para Lisboa.
Fim do episódio
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