segunda-feira, 31 de agosto de 2009

MEMÓRIAS DO RUFINO CASABLANCA - A GERAÇÃO SEGUINTE

A Geração Seguinte
Evita e Rufino Casablanca
( gente nascida entre 1940 e 1960 )




---------- I ---------

As férias já levavam duas semanas de duração e o Rufino sem aparecer. Telefonava todas as noites, isso sim, sempre antes dos espectáculos, mas o filho mais velho, Francisco, já falava em voltar para Lisboa se o pai não viesse nesse fim-de-semana. Evita e os filhos estavam em Monte Gordo desde o princípio de Agosto, e agora já o mês ia a meio e ninguém sabia quando o marido apareceria. O filho mais velho, Francisco, com os seus dezasseis anos, já se tinha apercebido que o casamento dos pais não andava bem desde que a banda que o pai tinha fundado, já lá iam dez anos, começara a ter sucesso. O mais novo, Rufino, como o pai, não deixava que a situação familiar interferisse nas férias. Tinham um grupo de amigos, todos à volta dos quinze, dezasseis anos, e era vê-los na praia durante o dia, e à noite na esplanada do hotel ou no jardim fronteiro, olhando as raparigas em jogos próprios daquela idade. Tinham marcado quartos no hotel para todo o mês de Agosto, mas tirando o fim-de-semana em que tinham chegado, o marido ainda não tinha aparecido. Hoje porque tinham um espectáculo importante, ontem porque estava cansado e não tinha vontade de se fazer à viagem, no outro dia porque tinha aparecido uma oportunidade de ganharem um dinheiro extra e a vida não estava para brincadeiras, era preciso aproveitar agora porque sabe-se lá se no ano seguinte a banda ainda estaria na crista da onda. Era isto que ele lhe dizia quando telefonava. Evita, embora o Rufino nunca lhe tivesse dado motivos para desconfiar dele como marido, pensava, roída por desconfianças e ciúmes, que aquela vida boémia e de cantigas, sempre rodeado de mulheres bonitas, qualquer dia ainda lhe traria dissabores e desgostos. Ela bem vira naquela noite em fora assistir a Vila Real de Santo António a um espectáculo, juntamente com os filhos, durante as festas da cidade, ao assédio de que eram objecto os artistas que tinham actuado nessa noite. Eram dezenas as raparigas que gritando histericamente, tentavam aproximar-se dos membros da banda que tinha fechado a festa. Ora sendo os " Trovattore ", a banda do marido, um grupo muito mais conhecido e com mais qualidade, decerto que por onde passavam a situação seria semelhante. Verdade seja dita que lhe era difícil imaginar o marido, com os seus trinta e sete anos e com o cabelo começando a ficar grisalho, metido no meio daquela confusão, mas a dúvida que já estava instalada fez com que acabasse a noite de mau humor. Nem prestou muita atenção a um colega de profissão, juiz do ministério público, que também assistia ao espectáculo, e que ela conhecia das suas andanças como advogada pelos tribunais e que a viera cumprimentar. Depois dos cumprimentos, enquanto com os olhos procurava os filhos no meio daquela confusão, e perante a atrapalhação e silêncio que se seguiu, limitara-se a dizer-lhe o hotel em que estava instalada. O seu mau humor não passou despercebido aos rapazes, tendo sido nessa ocasião que o mais velho disse que se o pai não podia estar com eles era melhor regressarem a Lisboa mais cedo. Essa ideia levantou uma série de protestos do mais novo, que já tinha combinado com um rapaz do grupo, passarem uma tarde juntos na piscina do condomínio em que o outro estava de férias, juntamente com duas irmãs e os pais. Evita não se pronunciou sobre a possibilidade de regressarem antecipadamente a casa, mas deu a entender que isso não lhe desagradava, deixando a tomada da decisão para os dias seguintes. Para sua surpresa, no dia seguinte logo de manhã recebeu um telefonema do colega que estava no espectáculo da noite anterior. Convidava-a para jantar nessa mesma noite. A sua primeira reacção foi recusar com o pretexto de ter que acompanhar os filhos. Era hábito, ao jantar, estarem todos juntos. E foi isso que lhe disse. Ele aceitou de bom grado a recusa, compreendeu o motivo, mas disse-lhe que não precisaria de deixar os filhos sozinhos, bastaria levá-los com ela e jantariam todos. Mesmo assim ela continuou a recusar. Por fim, ele deixou-lhe o número de telefone para o caso de mudar de ideias. Mais tarde, já depois do almoço, recebeu novo telefonema, desta vez de seu marido. Dizia o Rufino que não podia estar com eles no fim de semana seguinte porque tinham uma reunião com um executivo duma editora discográfica espanhola, que só dispunha do sábado, e que devia ser ele a tratar desse assunto pois não confiava nos restantes elementos do grupo para tratar dum contrato daquela responsabilidade. Aquela era uma excelente oportunidade de penetrar no mercado de língua espanhola e não deviam perdê-la. Ficou calada. Aceitou calada. Depois de Rufino desligar, sozinha no seu quarto, avaliou a sua vida nos últimos anos, olhou para trás e deu-se conta de que o desafogo económico que ultimamente gozavam não compensava a vida que estavam a ter. Tinham casado muito novos, ela ainda não tinha vinte anos, e aos vinte e um já tinham dois filhos. É verdade que tiveram dificuldades económicas no princípio da vida em comum porque isso coincidiu com uma crise que a sua família tinha atravessado, a morte de seu pai tinha contribuído muito para isso, mas pouco a pouco a situação tinha-se recomposto. O talento de Rufino tinha sido reconhecido, finalmente, não só como musico mas sobretudo como compositor. E então veio o sucesso da banda. Agora até havia dinheiro a mais, de tal maneira havia dinheiro a mais que o Rufino até já se estava a esquecer da família. Às vezes até lhe parecia que ele já não a desejava como antigamente, procurava-a menos, disso tinha a certeza. Aborrecida com toda aquela situação pensou que não lhe faria mal distrair-se um pouco e telefonou ao colega dizendo que já tinha resolvido o problema dos miúdos, que afinal sempre poderiam jantar e que iria sozinha. Mais tarde informou os filhos dizendo-lhes que ia jantar com um grupo de colegas, que estaria de volta cerca da meia-noite, e que a essa hora eles já deviam estar no hotel. Não se arranjou especialmente para o jantar, foi vestida da forma habitual, sandálias sem salto, nada de pinturas, com o cabelo apanhado em rabo-de-cavalo, pois era essa a sua maneira de estar em férias. Quando saiu, recomendou juízo aos filhos e lembrou-lhes que não deviam afastar-se muito do hotel e seguiu para o restaurante combinado que se situava na zona pedonal, junto ao casino. Era prática corrente entre a família uma certa liberdade de movimentos desde que as regras e horas estipuladas não fossem desrespeitadas. Em férias, segundo o conceito de Evita não devia haver noitadas, pois se as férias eram para descansar, deitar relativamente cedo devia ser uma das regras. Os filhos costumavam estar com os amigos no jardim em frente do casino até à meia-noite e quando chegavam ao hotel, normalmente já a mãe estava deitada. Iam para a praia cedo, vinham almoçar e só voltavam à praia ao fim da tarde. Entretanto os rapazes estavam na piscina do hotel ou dormiam e Evita ficava no quarto a descansar ou a ler. Esta era a rotina diária, muito raramente quebrada. Francisco decidiu não sair naquela noite, ficou no hotel enquanto Rufino, como de costume, foi ter com os amigos ao jardim. Tinha esperança que a mãe concordasse em regressar mais cedo a Lisboa, ele iria fazer pressão nesse sentido pois a namorada, ou quase namorada, nesse ano não iria de férias, passaria o mês de Agosto em casa, no bairro dos Olivais, bairro em que eles também moravam. Ela era a rapariga mais bonita da escola de que ambos eram alunos e sabia que não podia dar-se ao luxo de permanecer afastado muito tempo porque ela tinha muitos pretendentes e corria o risco de ver o seu lugar ocupado por outro quando regressasse. Tinha todo o interesse em voltar o mais rapidamente possível para casa mesmo que para isso tivesse que contrariar o irmão que, como já se viu, queria ficar até ao fim do mês. Assim, para agradar à mãe, que já o encontraria no hotel ao chegar do jantar com os amigos, resolveu ficar no quarto a ver televisão. A família ocupava dois quartos contíguos com ligação interior, um quarto para os pais, que nesse ano apenas tinha sido utilizado pela mãe e outro para eles, com duas camas. A porta de ligação durante a noite ficava normalmente aberta e Francisco esperou pacientemente que a mãe voltasse. Talvez na ausência do irmão fosse mais fácil convencê-la a voltarem para casa nos próximos dias. Quando já passava da hora combinada quem primeiro regressou foi o irmão. E Francisco que já dormitava, ouviu o outro dizer, enquanto se despia, que tinha dado uma volta pela zona comercial e vira a mãe no restaurante, através da montra, falando muito animada numa mesa ao fundo da sala. Estranhara que fossem apenas dois pois ficara com a impressão que era um grupo de colegas que resolvera conviver um pouco durante as férias já que se encontravam todos em Monte Gordo. Um encontro fora dos tribunais só lhes faria bem, acrescentara ela. Francisco, já sonolento, nem prestara atenção ao que o irmão dizia. Logo a seguir ainda sentiu a mãe entrar no quarto, certificando-se que eles já estavam deitados e depois mergulhou num sono profundo. Na manhã seguinte assim que acordou entrou no quarto da mãe, sem fazer ruído, pensando que ela ainda estava a dormir e ouviu-a a assobiar na casa de banho. Assobiar era uma das habilidades de sua mãe, mas só o fazia quando se encontrava muito bem disposta. Quando ia a sair reparou num pequeno ramo de flores que estava em cima da mesinha redonda. Admirado, rodou as flores nas mãos e viu um bilhete. Sentiu curiosidade mas não se atreveu a lê-lo. À mesa do pequeno-almoço, quando estavam todos juntos, a mãe disse-lhes que não iria à praia nesse dia, iria a Vila Real de Santo António fazer compras e que ficaria mais descansada se eles ficassem na piscina durante a manhã. Nem deu tempo para ouvir os protestos deles, meteu-se no carro e desapareceu rapidamente. Francisco, que esperava falar com a mãe sobre o regresso a casa, voltou para o quarto e viu de novo as flores que continuavam em cima da mesinha redonda. Zangado como estava deitou as flores no cesto da casa de banho e guardou o bilhete no bolso ainda sem se atrever a lê-lo. Evita só regressou depois do almoço encontrando os filhos ainda na piscina, tinham almoçado ali mesmo umas tapas de presunto e queijo, ementa que era muito do seu agrado, embora soubessem que sua mãe não aprovava essa forma de se alimentarem. Estranhamente não se zangou com eles. Ambos notaram que vinha de tal forma absorta nos seus pensamentos que não tinha ligado nada quando lhe disseram o que tinham comido e atribuíram esse desinteresse à contrariedade que tinha sofrido quando soube que o pai não poderia estar com eles no fim-de-semana. Quando passaram pela recepção entregaram-lhe outro ramo de flores, reparou Francisco, e quando, antes do jantar perguntou aos filhos pelas flores que tinham ficado sobre a mesinha nessa manhã, no seu quarto, o filho mais velho mentiu descaradamente dizendo que a camareira as tinha levado quando viera arrumar as camas, depois de lhe ter perguntado a ele se o podia fazer. A ansiedade que demonstrara pareceu acalmar com esta explicação, tanto mais que o filho, aparentemente, não deu nenhuma importância ao assunto. Foi quando Francisco se lembrou que tinha no bolso o bilhete que acompanhava as flores e que ainda não o tinha lido. O bilhete dizia o seguinte: ____ " Flores belas para uma mulher ainda mais bela " ____ Seguia-se uma assinatura ilegível. Nessa noite, enquanto se dirigia com o irmão ao encontro dos amigos, lembrou-se do que o Rufino dissera na véspera quando se foi deitar e que ele não entendera bem por já se encontrar meio adormecido. Então perguntou:
____ " Em que restaurante viste a mãe ontem à noite? " ____
____ " Naquele que fica ao lado do casino " ____
____ " Teria corrido bem o jantar? Estava muita gente? ____
____ " Quando a vi só estava ela e outro sentados numa mesa pequena " ____
____ " Decerto os outros acabaram mais cedo e saíram " ____
____ " Pode ser, mas aquele restaurante não é de grandes grupos. É muito sossegado " ____
____ " Hoje não vou demorar-me muito. Quero estar em casa quando o pai telefonar " ____
____ " Eu também. Vou só combinar como é a festa da piscina no próximo sábado " ____
Passada que foi meia hora estavam de regresso ao hotel. Ao passarem pela recepção, para pedirem a chave do quarto, viram a mãe que estava no bar em amena cavaqueira com um homem, vestido com um fato de linho branco, parecendo velhos amigos. Aproximaram-se e a mãe fez as apresentações. A conversa era sobre questões jurídicas e enquanto a mãe defendia determinada tese com muito calor, o homem olhava para ela muito calmo, sorridente mesmo, e contrariava-a. Minutos depois pediram licença e retiraram-se. Quando estavam no elevador, Rufino, com ar pensativo, disse ____ " Não tenho a certeza mas acho que era este tipo que ontem estava a jantar com a mãe " ____ Francisco ficou calado e quando chegou ao quarto, pela porta interior passou aos aposentos da mãe, e procurou com os olhos o ramo de flores que lhe entregaram na recepção quando ela regressara de Vila Real de Santo António. Tal como o outro, o que ele tinha deitado fora nessa manhã, estava na mesma mesinha redonda. Também tinha um cartão. Enquanto o irmão estava sentado em frente do televisor, meteu-se na casa de banho e comparou a letra dos dois cartões. Eram da mesma pessoa. E a assinatura, igualmente ilegível, era a mesma. Dizia assim: ____ " Espero por si, hoje à noite no bar do seu hotel, para tomarmos um bebida. " ____ Quando voltou ao quarto da mãe para colocar novamente o cartão nas flores, reparou no saco das compras que ela tinha ido fazer à cidade e que tinha ficado abandonado numa cadeira. Com nervosismo e curiosidade não resistiu à tentação de ver o que continha. Precipitadamente, abriu o saco e verificou o que estava no interior: Um par de sapatos com o salto muito alto, de boa qualidade, e vários conjuntos de lingerie, compostos de soutiens e calcinhas, para além de vários artigos de maquillage, cremes, batons, perfumes, verniz de unhas.

(Continua amanhã)

1 comentário:

Anónimo disse...

Me ha entгetenido bastante esta pagina que titulaste "MEM�RIAS DO RUFINO CASABLANCA - A GERA��O SEGUINTE" .
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