Peças soltas no interior da circunferência – (Continuação)
Rosalía
Vida, Loucura e Morte
Rosalía, nascida em 1910, era um ano mais nova que Francisco, filha do primeiro casamento de D. Matilda Rodriguez de Avelar Potra. De seu pai nada haverá a dizer, pois sendo muito boa pessoa, não deixou motivos, bons ou maus, para ser recordado. Direi apenas que faleceu seis meses antes de Rosalía nascer. Aliás, o mesmo se pode dizer do segundo marido de D. Matilda. Também não deixou rasto. É interessante verificar que sendo uma mulher de armas, com uma personalidade muito forte, teve maridos que não se destacaram em nada, parecendo que se limitaram a engravidá-la de seis filhos, e depois, morreram, cada um a seu tempo, deixando apenas alguns retratos que eu agora encontro dentro de velhos baús e armários. Esperem, --- não se destacaram por façanhas ou acções, mas, a avaliar por esses retratos, eram homens dados a certas elegâncias e portadores de algum garbo. Talvez fosse por aí que conquistaram o coração daquela mulher, embora eu, por aquilo que dela conheço, tenha dúvidas que ela se deixasse levar por essas finezas. Rosalía foi sempre introvertida e ao mesmo tempo muito responsável, com dez anos já parecia que tinha vinte, e durante alguns anos, ainda em vida de sua mãe, era ela que de forma discreta geria toda a casa, opondo-se muitas vezes ao próprio Francisco, que, aliás, sentia por ela uma ternura sem limite. É altura de dizer que todos os irmãos sabiam ler e escrever muito bem, ensinados por um velho mestre que praticamente vivia lá em casa, e era um antigo companheiro de copos do segundo marido de sua mãe. Rosalía não só sabia ler e escrever como tinha ao seu dispor uma boa biblioteca que era o conjunto de todos o livros de seu pai e sua mãe, a que se juntaram depois os do seu padrasto e os do velho mestre, quando este morreu. Antes de D. Matilda casar pela segunda vez, Rosalía vivera na casa de hóspedes que a mãe tinha no nº 7 da praça do Príncipe da Beira no Alandroal, sendo a hospedaria e restaurante, herança do primeiro marido. Ali nascera e vivera Rosalía até ao nascimento do seu filho. É essa parte da sua vida que agora me proponho contar. Por volta dos primeiros meses de 1925, começou a frequentar o restaurante da hospedaria, um homem dos seus quarenta anos, natural de Vila Viçosa, que para ali marcava alguns dos seus encontros de negócios. Tão assíduo se tornou e tão bom cliente era, que rapidamente ganhou a simpatia de todos, patrões e criadagem. Por essa altura, já era Rosalía, quem assegurava a gestão do estabelecimento, apesar da pouca idade, pois D. Matilda, que se tinha mudado para o monte das Courelas, com o novo marido, já tinha preocupações suficientes com os quatro filhos, entretanto nascidos. Rosalía, não sendo uma beldade, era uma mulher muito interessante. Com cerca de um metro e setenta, era mais alta que o comum das mulheres, esguia, com feições marcadas pela testa alta, maçãs do rosto salientes e os olhos de sua mãe, enormes e cinzentos. O que atrás descrevi, juntamente com a frescura dos dezasseis anos, já tinha atraído muitos fregueses da casa de hóspedes, mas Francisco, sempre atento e protector, quiçá demasiado, afastava qualquer um que se atrevesse a aproximar-se. Na época de que falo, tinha D. Matilda, enviado a Zafra , sua terra natal, o filho mais velho, afim de tratar de um assunto de heranças, a que urgia dar solução. Desta maneira, o negociante de Vila Viçosa, o já nosso conhecido António Pombo, pois dele se tratava, depressa encontrou maneira de se meter na cama com Rosalía, usando toda a sua experiência de sedutor, e que junto à inocência da rapariga, deram como resultado vir a passar grande parte das noites na pensão. Claro que não lhe disse já ser casado e ter filhos da idade dela. Foram dois os meses que a relação durou, até Francisco regressar de Zafra, o que coincidiu com a confirmação da gravidez de Rosalía. Quando o irmão chegou, já a mãe estava inteirada de quem era o responsável pela gravidez de Rosalía. Assim, com toda a família reunida na chaminé do monte das Courelas, os mais pequenos sem entenderem o que se passava, Rosalía sentada mais afastada do lume, com um lenço na mão, com o qual, de vez em quando, enxugava as lágrimas, dona Matilda com Rosário ao colo, tentando conter a fúria de Francisco, que atravessava a cozinha em largas passadas, e sempre que passava junto de Rosalía lhe fazia uma carícia na cara. Pese embora a presença da mãe, todos tinham os olhos postos no irmão mais velho, que, apesar dos seus apenas dezoito anos, sentiam como chefe da família. Até dona Matilda, estava disposta a que fosse o filho a decidir o que fazer. Já lhe tinha contado que o António Pombo, sentindo-se apertado, devido à idade da rapariga, tinha posto a circular o boato de que não era só a ele que Rosalía concedia os seus favores. Era isto o que mais irava Francisco. Ele não queria mais nada de António Pombo a não ser respeito para com a sua irmã, porque quanto ao filho desta, quando viesse, também haveria para ele um lugar naquela família, como havia para todos os que ali estavam. Terminou aquela noite, sombria de pensamentos, com a seguinte frase: ---- Madrecita, mañana será outro dia, luego veremos. ---- E com um beijo mandou todos os irmãos para a cama, demorando-se mais quando abraçou Rosalía.
Próximos capítulos: Compadre Manuel Ferrador, Rosalía 1920
1 comentário:
Estas histórias são muito bem contadas.
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