Peças soltas no interior da circunferência - (Continuação)
Terena, 6 de junho de 2009
Para que os acontecimentos tenham algum sentido, vou agora transcrever, na íntegra, o que disse o jornal "Notícias Calipolenses" no dia seguinte à morte do Sr. António Pombo. -------- " Conforme ontem prometemos, vamos hoje desenvolver com maior soma de pormenores, os infaustos acontecimentos, que deixaram toda a comunidade mergulhada em grande choque e à espera que rapidamente se faça justiça, já que a vítima era uma pessoa da melhor sociedade calipolense. Tanto quanto sabemos, as autoridades já têm suspeitas bem fundamentadas quanto à autoria do cobarde assassínio e esperam apenas por ordens superiores para proceder à prisão dos culpados. Queremos lembrar que o infortunado Sr. António Pombo, para além de pertencer à vereação da nossa Câmara Municipal, presidia à Sociedade Calipolense de Sabões, fazia parte da Comissão de Desenvolvimento de Vila Viçosa e participava activamente em várias outras organizações, nomeadamente na direcção local da União Nacional e na direcção da Misericórdia da nossa bem amada vila.
A nível informal, pertencia ao grupo de amigos dos nacionalistas espanhóis, tendo-se destacado pela sua participação nas brigadas, que mais ou menos por toda a zona raiana, recolhiam os fugitivos republicanos e os entregavam em Badajoz. Aguardemos, pois, o desenrolar dos acontecimentos."-------- Assim mesmo, já havia suspeitos, faltavam apenas as ordens superiores para prender, diziam as notícias. Ordens essas que não demoraram muito a chegar. No próprio dia do funeral do António Pombo, foram presos todos os três irmãos Rodriguez Potra. Francisco fora preso em sua casa, no monte das Courelas, quando se preparava para continuar a domar um potro que já o havia derrubado várias vezes da sela. Rufino, quando fechava a porta da sua loja na rua de Três no Alandroal. Finalmente, João fora apanhado pela Guarda Republicana, quando, acompanhado das suas irmãs Guadalupe e Rosário, regressava de uma visita ao Sr. D. Miguel da Mota e a suas filhas, visando pedir desculpas, por eventuais desfeitas ocorridas na noite dos excessos. Não será agora a altura oportuna para esta observação, mas não quero deixar de registar, a troca de olhares que Guadalupe e Rosário surpreenderam, várias vezes, entre João e uma das filhas do lavrador, por sinal aquela que tinha um sorriso mais luminoso e uns bonitos cabelos ruivos, que emolduravam um rosto coberto de sardas. Maria, se chamava.
Assim se viram presos os três irmãos, primeiro nas cadeias do Alandroal, depois nas de Vila Viçosa e por fim nos calabouços do governo civil de Évora, para onde foram transportados de comboio e escoltados, por nada menos, que seis guardas armados, enquanto iam ouvindo acusações à toa de todos os que passavam perto, levando também, alguns safanões a tempo, melhor, levando algumas boas sovas, anotando João, mentalmente, quem lhas ia dando e registando feições e nomes, sempre que era possível. Até os de uns fabianos que vieram expressamente de Lisboa para os interrogar. Verdade seja dita, só estiveram presos um semana. Uma semana de fome, uma semana de maus-tratos, uma semana que nunca mais esqueceriam até ao fim das suas vidas, uma semana que determinaria todo o seu futuro. Quando se aperceberam do que eram acusados, fácil lhes foi apresentar prova de inocência, tal a quantidade de testemunhas que os acompanharam nessa noite, mas, mesmo assim, mantiveram-nos presos mais alguns dias e aproveitaram para se desforrar de contas antigas, malhando a torto e a direito. Foram transportados no regresso a casa pelo Dr. Madureira, que em todo o processo fora da mais exemplar disponibilidade e eficiência, levando em conta a situação. O automóvel do advogado deixou-os todos em casa de Francisco, cuja maior preocupação era o estado em que iria encontrar a irmã Rosalía. À chegada foram informados, pela mulher do caseiro, que a senhora não se tinha inteirado de nada e tinha passado a semana na cama, com os delírios do costume, e que não tinha chamado o médico com receio que este se referisse à prisão dos irmãos, sendo assim pior a emenda que o soneto. Foram estas as suas palavras. Era mulher de confiança, todos sabiam As irmãs, Guadalupe e Rosário, também os esperavam, tendo feito para cada um as suas comidas preferidas --- Todos se quedan unos dias por aqui. Solamente até saber que pasa --- disse Francisco. Logo, Rufino, respondeu--- Eu tenho que ir à tenda. Receio que me assaltem a casa.--- Irás mañana. Puedes llevar o automóvel do mano João e depois vuelves. --- falou, de novo, Francisco. Facilmente se via que era este, que em momentos de aperto, tomava as decisões, e não só por ser o mais velho, era também porque emanava dele uma autoridade natural. Assim se fez, afinal, os últimos dias tinham sido terríveis para todos, inclusive para as raparigas, e uns dias de descanso e convívio entre os irmãos serviriam para estreitar mais os laços do afecto que visivelmente os unia. Apenas teriam que ter cuidado, nas conversas em frente da irmã Rosalía, para que esta não se apercebesse do que se tinha passado e assim piorar o seu estado, que já era, psicologicamente, uma lástima. António da Cinza veio vê-los e trouxe alguns acepipes que sabia serem do agrado da família e até a mana Rosalía, normalmente avessa a petiscos, comeu com satisfação e falou de alguns momentos da sua mocidade, coisa que não acontecia há anos. O taberneiro também deu novidades sobre o que se ouvia na aldeia e contou que até capitão Carlos Ferradeira se mostrara desagradado por não terem libertado imediatamente os três irmãos no seguimento do seu testemunho. Outra pessoa que se mostrara indignada fora o Sr. D. Miguel da Mota, que sendo favorável ao Estado Novo, não compreendia o desdém que as autoridades demonstraram para com ele a seguir ao seu depoimento. Ainda pedira para falar com o senhor governador civil, mas sua excelência não estava disponível. De Espanha, através dos canais próprios de uma situação de guerra civil, tinham chegado dois ou três pedidos de informação, prontamente respondidos por António da Cinza. Estas, as informações mais relevantes. Comentou Francisco ---- " Llevando em cuenta todas las situaciones non está mui mal."---- E não se falou mais sobre esse assunto. Importa mencionar que toda esta conversa se passou apenas depois de Rosalía se recolher.
(Continua)
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