terça-feira, 23 de junho de 2009

A FAMÍLIA TIRA-PICOS

A PRIMEIRA ZARAGATA

Quanto mais a gente as guarda pior. Dizia o pai.
Olha a sonsinha, parecia que não quebrava um prato, e vejam lá. Diziam as vizinhas
É bem feito. Então o que queriam? Com um pai daqueles!!!
Ela já está mas é “prenha”.Diziam os mais espertos.
Certo é que o casal já estava a usufruir da “comunhão de bens” há um mês, e “trambolhão” daqui “trambolhão” dali lá se iam safando. Mais a mais que o Tira-Picos, parecia agora ter mais juízo, pois as idas à taberna tornaram-se menos frequentes e até tinha arranjado um “trabalhinho”, a colocar “fundos de buinho” em cadeiras de madeira e o Zé Rita tinha-lhe prometido ensinar a fazer cestos de verga. Trabalhos sentados, pois claro, pois dobrar o espinhaço era coisa que fazia comichões ao Tira Picos.
Vejam lá que o amigo Maçaneta, até o tinha convencido a ir para a música, pois ser da Banda sempre dava um certo prestígio: corriam-se as Festas todas, e ainda se ganhavam umas massas.
Enfim tudo corria pelo melhor, até que houve um baile na Sociedade da Musica, e onde o nosso amigo fazia questão de marcar presença, não só para mostrar que também ele já tinha mulher, como também para ficarem a saber que de futuro ele seria mais um elemento da Banda, e como tal com direitos adquiridos.
Ao almoço a Pardaleira disse ao marido que para ir ao baile teria que arranjar o cabelo (fazer uma permanente), o que bem vistas as coisas até se tornava necessário, e o Tira-Picos concordou. Só não esperava é que chegada a hora da janta, de Maria Amélia... nada. Oito, nove e quase dez quando, o “espantalho” no dizer do Tira Picos se apresentou, e ainda por cima depois de alguns “berros” lhe comunicou que a modificação visual tinha custado 40 mil réis. Precisamente o dinheiro que tinha feito nesse dia com a colocação de fundos nas cadeiras, e que ele esperava “esturrar” no “emborque” de umas minis no baile. Mas o pior ainda estava para vir quando a Maria Amélia lhe comunicou que tinha que pôr uma gravata, caso contrário não iria ao baile. Era o que faltava...as “arreatas” são para os burros, e se nunca ninguém me obrigou a coisa que eu não quisesse fazer não és agora tu que me obrigas a andar amarrado. Se não queres ir não vais...mas eu vou, e num acesso de fúria atira-se às “gadelhas”da mulher, e estraga-lhe o penteado, não ficando ele melhor pois a camisa foi ao ar!
Foram ao baile...ela de gorro enfiado no “toutiço” e ele sem camisa.

SEM JEITO PARA ROUBAR

Ia de mal a pior a vida do Tira-Picos, estava como a lavoura dos burros, torta e enviusada, ou se quiserem sem tralho nem maravalho. Sem a mulher para lhe fazer as sopas e coser os trapinhos, sem trabalho, ainda por cima o negócio do fundo das cadeiras estava cada vez mais fraco, e por mais que o Zé Rita lhe ensinasse a fazer cestos de verga os mesmos nunca saiam capazes de ser transaccionados.
A fome apertava, o dinheiro escasseava, e como na infância era mestre a surripiar o alheio, o Tira-Picos não arranjou outra forma de enganar o estômago senão ir às hortas pilhar qualquer coisa.
A primeira tentativa foi na horta do Adelino, onde haviam duas figueiras, que dito por todos davam os melhores figos de S. João, no Alandroal. Foi fácil entrar na quinta, pois o portão estava sempre aberto, e mais fácil ainda comer a canastra de figos que o dono já tinha apanhado. Só que para o Tira-Picos uma canastra não chegou e ainda provou mais alguns colhidos da própria figueira. Foram dar com ele, com uma barriga inchada de palmo e meio, olhos esbugalhados e vomitado por tudo quanto é sitio. Quando no Hospital o Médico lhe perguntou o que tinha acontecido o Tira-Picos responde: Comi uma canastra de figos e mais uns oitenta, e comecei a ter uma leve dor de barriga, depois não me lembro.
As laranjas do João dos Pereiros eram das melhores: da baía, grandes e docinhas como mel. Só que para entrar na horta era um problema. O muro era alto e ainda por cima tinha cacos de vidro no cimo. Mas nessa noite o Seabra deixou o “carro da mula” encostado à parede, e de cima do carro era fácil saltar lá para dentro. Seria mesmo nessa noite, e nada melhor que trazer logo uma saca de laranjas. Se bem o pensou, melhor o fez. Só que o carro não estava travado e quando em cima dos taipais o Tira-Picos se preparava para saltar, o carro desliza e não teve outro remédio senão agarrar-se ao muro, cortar as mãos nos vidros, mas saltou lá para dentro, enquanto o carro se espatifava no muro em frente. Todo este “cagarim” despertou o dono. Deixou-o comer as laranjas até matar a fome, deixou-o encher o saco, mas depois, enquanto o Tira-Picos dava voltas à cabeça para encontrar maneira de se raspar, apareceu, e deu-se ao trabalho de lhe esfregar “nas trombas” as laranjas uma a uma. Na manhã seguinte o Tira-Picos, parecia, na voz da velha Amélia, uma alma do outro mundo, com os dedos entrapados e a cara toda inchada.
Estava visto: com fruta não se safava. Experimentou então galinhas. E como na horta do Zé Cuco, as mesmas depenicavam à vontade, e o muro não era alto viu uma maneira fácil de “pescar” galinhas. Bastou-lhe arranjar fio de coco, um anzol, pôr na ponta do mesmo uma fava e fazer o lançamento. Não demorou que uma caísse no engodo, e quando se preparava para engolir a fava, bastou um puxão e ela aí vem, asinhas a bater a caminho do pilha galinhas.
Azar dos azares...a guarda ia a passar e dá com aquele estrafego. Com que então a roubar galinhas? Raios partam isto. Estava a praticar para fazer uma boa pescaria amanhã na “rebêra” e a merda da galinha come-me o isco e ainda por cima dá cabo do anzol.
Nessa noite o Tira-Picos dormiu na cadeia, mas pelo menos teve um bom jantar e ainda por cima acompanhado por um copinho.

Xico Manel

2 comentários:

Helder Salgado disse...

Amigo, F Manuel
Gostei de ler o teu texto, está interessante, sobretudo na segunda parte.
São nestas homenagens a figuras simples, que também se honra o Concelho e se vai transmitindo um pouco de nós, às novas gerações.
Já aqui falámos e recordámos alguns amigos.
Pela popularidade que outros, na sua época alcançaram, também devem ter alguma historieta a eles ligadas. Recordo o Pimenta, o Zé Tlinta, o Domingos Cainó entre outros.
Um grande abraço.
Helder

Anónimo disse...

Chico


Magnifico este teu relato dos

dislates,azares e que coisas

mais haviam todas de suceder ao

Tira

Picos.

Gostei do tom pícaro com que te

entreténs a descrever tudo

aquilo que um homem são pode

sofrer ás mãos de outros homens

quase sempre piores seres por

apenas mais coisas de comer

terem.

Assim é que é,Chico,mostra-

nos que cada um nem sempre

tem os favores de Deus que

merece.Tal Tira Picos tal

Rufino.

O blog no seu melhor.


ANB