sexta-feira, 15 de maio de 2009

PÁGINA CULTURAL - (PELO DR JOSÉ ALEXANDRE LABOREIRO)

A importância fulcral da Mulher na vida política de Aquilino Ribeiro

«Morrer ao pé de ti é quase tudo // viver junto de ti é quase nada // Sou rosa de cetim e veludo // sou mulher possuída e mal amada. »
Ary dos Santos
(in “Fado-mulher”)

Natália Correia (na Obra Historiográfica “Breve História da Mulher”), referindo o papel relevante da Mulher na completude social e política da Revolução Francesa, narra-nos o seguinte: “A 15 de Outubro 8 000 mulheres, conduzindo lanças e canhões, marcham sobre Versalhes. Iam à procura de pão. Pelo caminho juntam-se-lhes milhares de desempregadas. Na mesma noite, uma deputação de mulheres vai à Assembleia e queixa-se da carestia de vida e do insulto dirigido à nação. Esse bando de mulheres não é electrizado por um fenómeno inconsciente. É o portador de uma mensagem de angústia, de fome e de revolta. Não são massas acéfalas automatizadas por despeitos ou rancores mesquinhos ... eram mães que iam buscar pão para os filhos moribundos. Mulheres humildes, com todas as virtudes construtivas do povo sacudido por um impulso consciente, embora incerto do caminho da libertação. Elas eram o povo”: pedaço de História da Democracia onde a Mulher emerge, na exigência de cumprimento dos princípios de uma Revolução que - usando o povo na luta contra o privilégio, o arbítrio e a inquisição do Antigo Regime - servia primordialmente uma alta burguesia tornada proprietária fabulosa (especulando escandalosamente com a alta de preços e a carestia de géneros), tomando - em relação ao povo - um atitude biforme: lamentava-o mas desprezava-o; daí, a atitude determinada da Mulher (mulher-cidadã, mulher-mãe, mulher-esposa, mulher-filha): Mulher, que Natália Correia igualmente referencia, a exigir - nos Estados Unidos da América (1833) - a admissão feminina nas escolas públicas e Universidades (enquanto considerava a aculturação fundamental no comportamento das futuras mães-educadoras, cidadãs conscientes, operárias diligentes e responsáveis - lutando igualmente pelo direito ao voto e a ser elegível (tanto a nível das comissões escolares, nas funções de juiz de paz, ou a nível de estados federais).
Quanto a Portugal - uma vez que o conservadorismo político pode impedir, com as armas, a invasão de exércitos, mas não pode de forma alguma impedir a contaminação e a invasão das ideias - veria eclodir um novo conceito face à promoção política, social, económica e cultural da Mulher: lembrando-nos da acção carismática de Angelina Vidal (séc. XIX), Adelaide Cabete, Ana de Castro Osório, Beatriz Ângelo, Maria Veleda, Elina Guimarães (inícios do séc. XX) e Maria Keil, Irene Lisboa, Maria Lamas, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa, Maria Isabel Barrenho, Sara Afonso, entre outras - todas estas Figuras defendendo o direito da Mulher (especialmente a Mulher do povo) à educação e à cultura, ao voto, à elegibilidade, à atenção jurídica, à saúde, à cidadania, à liberdade (à luz da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a consignar na Constituição).
Aquilino Ribeiro, vivendo entre finais do séc. XIX e meados do séc. passado, deixou-nos na sua vasta Obra Literária (de feição jornalística, política, ficcional) um debruçar sobre o país real - para o qual sempre quis um debate de ideias livre, democrático, de nível cultural autêntico e afastado da demagogia.
No seu último livro (“Um Escritor Confessa-se” - um livro de Memórias) podemos vislumbrar o incontornável papel da Mulher, ao longo da sua vida de cidadão: cidadania que ele preencheu numa luta permanente pela afirmação da Democracia (quer na divulgação clandestina dos ideais republicanos nos últimos anos da Monarquia, quer no cumprimento dos princípios democráticos durante a I República, ou no combate clandestino ao totalitarismo do regime ditatorial do Estado Novo. E o seu pendor democrático emerge no conceito que nutria face ao lugar social que defendia ser o da Mulher: preconizando que uma sociedade só poderá ser considerada democrática, quando os homens cidadãos rejeitem um modelo de masculinidade competitiva pela dominação, e se afirmem por uma cultura de paz; quando as mulheres cidadãs rejeitem um modelo de feminilidade competitiva pela sedução e se afirmem por uma cultura de liberdade. E, logicamente, tudo isto passará por uma educação de mentalidades que conduza a uma cultura de coesão entre Homem e Mulher, eivada de espírito de responsabilidade, consciente, de amor e de adesão livre por ambas as partes.
E assim, vemo-lo a admirar a Mãe pelo carinho, pelos sacrifícios e trabalhos que investiu na esperança e expectativas de ver Aquilino tornado um cidadão livre, consciente, trabalhador - envolvido por um futuro radioso: amor maternal que atinge o auge, no propósito da Mãe querer dirigir-se pessoalmente à Corte, em audiência junto da Rainha D. Amélia, para esta interceder a favor de Aquilino Ribeiro (preso por acusação de subversão a favor da República) - e fazer notar à Rainha que o filho não era criminoso algum, mas sim defendia a liberdade de opinião.
Uma outra Mulher foi determinante no seu futuro: uma correligionária política que, dentro de um bolo, lhe fez chegar uma chave-de-fenda: instrumento fulcral para se evadir da prisão.
Aquilino lembra a sua primeira namorada: que conhecera em Lisboa, aquando ele (expulso do Seminário de Beja por “carência de vocação”) procura emprego na capital; seria ela que o inseriria na aculturação: ensinando-o a comer em meios sociais solenes, despertando-o para espectáculos sociais, familiarizando-o com conversas mais cultas e eruditas - em suma: uma mulher que achou fisicamente elegante intelectualmente de interesse e movendo-se com facilidade no seio da civilização.
Na viagem de combóio para Paris, fugindo à perseguição da polícia monárquica em sequência da evasão da prisão política, conheceu a jovem (alemã) que iria ser a sua primeira noiva: com quem casaria em Paris. Filha de um engenheiro alemão, detentora de uma mentalidade livre e culta, compreendeu a situação de exilado de Aquilino: regressando o casal a Portugal, após a implantação da República. Vivendo em felicidade, Aquilino soube sempre conciliar-se democraticamente com o sogro (apesar deste professar as ideias germanófilas que conduziram à guerra de 1914-1918). Aquilino, enviuvou passados curtos anos após o regresso a Portugal. Vindo a casar, em segundas núpcias, com uma filha de um seu correligionário: o prof. Bernardino Machado - o último Presidente da I República Democrática, que o golpe do Movimento de 28 de Maio obrigara a exilar para Paris.
Mulheres que amou, respeitou, considerou, admirou, e para as quais tinha a ideia da Mulher que pudesse sair das linhas pré-traçadas e seguir rumos da sua própria escolha, fora das bitolas onde a biologia e a cultura (ou melhor: a cultura, usando a biologia como pretexto) enquadravam o seu destino - como anota Carmen Silva na apresentação do livro “Mulher, Sociedade, Transição”.

José Alexandre Laboreiro

(Publicado na Folha de Montemor em Fevereiro 2009, e transcrito com autorização do autor)

(Al Tejo agradece a colaboração da Folha e Montemor, pela cedência do suporte técnico)

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