segunda-feira, 18 de maio de 2009

ASSIM, EU VI RUFINO CASABLANCA - (HELDER SALGADO)

Assim, eu vi Rufino Casablanca

A arte da imaginação figura nestes retratos.
Dum epicentro real, Rufino faz gravitar, na sua volta uma ficção semelhante à dos grandes sonhadores, fazendo mesmo recordar Camilo ou Garrett.
Parece reconhecer o irreal no primeiro retrato, “Hoje penso que foi um sonho”
“Talvez tenha sido.”
Rufino não me convenceu nas cenas de sexo, com Evita. Certamente exagerou.
Parecem transcritas dum manual.
Já não digo o mesmo com Chibia, mulher das terras quentes de Angola, que fizeram furor, motivando conversas e não só, a esse respeito, até que a invasão das brasileiras lhe disputou o lugar.
Com Eveline, parece já mergulhado, numa encruzilhada de saudade, reflectindo um possível reatamento com Evita. Contudo a frescura de Eveline, fá-lo ainda cometer mais uma aventura amorosa, pouco duradoura, senão a última.
Evita ao recomendar-lhe juízo, prova que ainda gosta de Rufino. Chibia livra-se do seu peso, saturou-se.
O retrato da primeira mulher, foi uma conquista repentina, abrindo um pouco o seu imaginário. Mais parece a introdução aos outros retratos.

À figura de Rufino.

A encruzilhada aperta-se, com poucas alternativas de saída, quando descobre o Zé do Alto.
Do alto do monte do Zé do Alto, avista a sua conhecida mancha de eucaliptos. Prime os olhos, para ver melhor e vê o seu Monte, com todos os seus prazíveis envolventes.
Tenta, com um safanão de cabeça, resistir, como animal que se tivesse ferido.
Da prateleira das suas memórias, soltam-se em todos os sentidos, as suas melhores recordações. Sente-se incapaz de as controlar.
Procura refúgio no restaurante, julgando abrigar-se daquela turbulência cerebral.
Os sentimentos enganam e tomam conta de Rufino.
No seu já turvo olhar não consegue distinguir as coisas.
O carro de varais, à entrada, parece-lhe Evita. As rodas, as suas pernas rosadas, correndo em jogos de infância, cujos os encontros terminavam sempre agarrados, por vezes com um beijo fortuito, que fazia avermelhar as faces, de um e de outro.
Um pequeno ruído, fá-lo, repentinamente, voltar a cabeça.
EVI.., ia gritar.
Uma dor vinda do lado esquerdo do peito, fê-lo calar, Vergou-o de alto abaixo.
As suas pernas fraquejaram, como se tivesse sido atingido por um raio, das trovoadas quentes de Setembro.
Ainda, mas com muita dificuldade, consegue balbuciar “que se passa comigo?”
Sentou-se na primeira cadeira que encontrou, socorreu a cabeça, que lhe pesava arrobas e que parecia estoirar, com as duas mãos.
Assim esteve largo tempo.
Finalmente descansou, disseram os amigos.
Quem o observasse de perto, notar-lhe-ia um aflitivo arquear de peito, denunciador do seu estado de alma.
Rufino voava sobre o Lucefecit. Não sentia o corpo. Era só cérebro.

Da Rocha da mina, do Castelo velho, dos outeiros do monte da “Deluques”, da fonte da Silveirinha, passando pelo moinho do tio Anastácio, ele saltava como uma divindade, até rezou na Igreja da Fonte Santa.
De todo o lado se sentia acarinhado. O cão saltava de contente para o beijar, as azinheiras seculares sorriam-lhe, as velhas oliveiras aplaudiam-no, os eucaliptos vergavam-se para o cumprimentar, os carrascos, as silvas, os carapetos decidiram não o picar, o gado vacum meneava a cauda de contente, o cabrino, saudando-o, berrava, até as estevas do alto dos cabeços, em uníssono, lhe atiravam as suas pétalas.
Rufino banhava-se nas águas serpenteantes do Lucefecit, do meu Lucefecit, como repetidamente dizia.
Aqui e ali mergulhava.
Dançava com as lontras, repintou as carpas douradas, desafiou os achigãs, deu velocidade aos cágados, correu em cardumes de bogas e pardelhas, admirado pelo barbo e pelo lúcio , que não conseguiram acompanhar a corrida.
Rufino está irrequieto.
Nem ouviu o pai gritar-lhe, “Rufino, Rufino, tem cuidado”
O avô, sempre condescendente, divertia-se e babava-se a rir, ao vê-lo naquelas correrias.
Era o seu querido neto.
A mãe, evocando nossa senhora da Boa Nova, ralhava-lhe, mas o menino, o adolescente Rufino não dá ouvidos.
Evita é a sua determinação, o seu encontro a sua meta.
Poder-lhe-iam colocar obstáculos, rezar ao Endovélico, a todos os Santos e até mesmo a Deus, que ninguém conseguiria parar Rufino.
De repente os sapos esbugalham os olhos, as rãs deixam de coaxar, os ralos e os grilos calam-se, os peixes saem fora de água, o arvoredo não deixa que o vento o trespasse, as aves param no ar, as ervas e os arbustos sorriem, as giestas e os piornos cobrem-se de amarelo.
Todo o campo é um tapete de mil cores.
Só assim Rufino parou. Expectante e surpreso, olhando em sua volta.
Interroga-se.
Longe avançando de mansinho, aproxima-se um vulto de mulher.
Visão sobrenatural? Pensou.
A blusa leve, de seda vermelha, a salientar os seios hirtos e perfeitos, virgens. A saia de veludo verde, a esconder-lhe a perfeição das pernas, mas a mostrar os seus contornos.
Mulher ou Santa? Talvez uma papoila, em forma divina.
Rufino segue de passada lenta mas firme, ao seu encontro.
Finalmente o cérebro começa a tranquilizar-se, o coração a baixar de ritmo.
Rufino já vai sentindo, no seu lento caminhar, parte do seu corpo,
Uma melodia suave, como o correr da água da ribeira, soa aos seus ouvidos.
De repente a estridência do canto das aves, do coaxar das rãs, do salto dos peixes, da alegria das árvores, do sibilar do vento, fazem, em harmonia ambiental, correr Rufino.
E Rufino corre, corre, ergue-se, levanta a cabeça, abre os braços, tenta abraçar, abre os olhos e, nada vê.
Um lenço de cetim, em mão feminina, limpa-lhe o rosto, onde uma lágrima rebelde,
o marca para sempre, com a cicatriz da saudade, a saudade de Evita, o seu verdadeiro amor.

Realidade

Quantos rapazes e raparigas, tiveram muito menos sorte que Evita e Rufino, não conseguindo vencer as barreiras sociais, desumanamente cruéis, em relação à pureza do Amor entre dois seres, carpem, numa escondida infelicidade, ainda e sempre a sua dor.
Porquê, Amiga?
Amor?

Só to posso chamar nesta cantiga.
Escreveu, em poema interrogativo, não editado, determinado autor.

Esta foi a minha simples mas sentida homenagem, a esse Alandroalense, em ambiente adorável, que não me canso de enaltecer,
Lucefecit, meu amor, teu nome é como um hino.
E Rufino bem podia ser o Trovador.

À margem

Um dia, num dos trechos referentes aos ”Ofícios”, alguns Amigos, manifestaram vontade de os fazer figurar, em livro.
Hoje, entusiasmado e rendido, a beleza literária destes”Retratos”, sou a confirmar a opinião daqueles Amigos.

Os Homens que não ficaram na História, também vão fazendo história.
Rufino merece passar à posterioridade.

Hélder Salgado.
15-05-2009.

5 comentários:

Anónimo disse...

Bonito trabalho este do Amigo Helder.Vou continuar a seguir esta e outras histórias do "Rufino".

Anónimo disse...

Mas quem era este Rufino?

Tem cá familia?

Anónimo disse...

Realmente é uma bonita historia sr. Helder.
Falou ai nessa sua historia de uma Igreja que me tras algumas recordações, que é a da Srª da Fonte Santa, e aqui lançava um desafio ao Srº Francisco, ao Srº Helder e a quem quisesse para aqui falar-mos a respeito desta Igreja e das suas historias.

Um abraço

Anónimo disse...

Belissimo engrandecimento do Lucifecit

Anónimo disse...

Pena é a referida estar devotada ao estado de abandono em que está.Uma ruina completa.Quando a igreja pede fervorosamente esmolas aos seus paroquianos para que servirão as mesmas??Para deixar caír os património que é deles mas é tambem de todos nós??Não poderia esse dinheiro ser utilizado na recuperação desses imóveis?Uma pena ...