A matança (2ª parte)
Enquanto vem e não vem, preparo a banca, composta de uma tábua só, com quatro pés,
ajeito o cordel com que vou prender a boca ao porco e dou um afio na faca.
De atalaia está uma senhora, a minha tia Antónia munida de um alguidar com um pouco de sal e de uma colher de pau, com que há-de mexer o sangue que sairá do animal.
Esta operação não deixará coalhar o sangue, que mais tarde servirá para fazer o sarapatel ou rechina, a primeira comida a sair do porco e para as farinheiras de sangue.
O porco desenvolveu-se bastante, cresceu e engordou e já foi colocado por três homens, em cima da banca, sem que estes antes tenham matado o “bicho”, não o porco, mas o deles, e ainda estão saboreando a boa passa caseira, dada pela figueira do quintal, depois de bebido o bagaço.
Apalpo a barbela do porco, certifico-me da entrada por onde a faca irá seguir, em direcção ao coração.
Não sei porquê, mas sempre me detive, com a faca apontada, alguns segundos.
Espeto a faca, e com ela espetada, faço dois movimentos que correspondem a dois golpes no coração.
Não me recordo de ter falhado.
Um rápido e abundante jorro de sangue sai do animal que grunhe aflitivamente.
Nunca contei o tempo de vida, entre a estocada e o final de vida, mas não irá além de mais de três a quatro minutos.
Segue-se a operação de chamuscar a pele.
Íamos, eu e os meus primos, buscar tojos, a um matagal, situado perto de Terena, uns setecentos metros. Havia duas espécies, o gatuno e um outro que nunca soube o nome, este mais denso, que ardia todo excepto o pé.
Levávamos um carro de mão, do meu tio Viegas, que eu ainda conservo.
O meu tio fora um zeloso Guarda Republicano, tão zeloso que um dia multou o sogro, meu avô materno, porque as galinhas andavam na rua.
Gostava do copo do “pegacho” como chamava ao copo (grande) por onde bebia o vinho.
A arte de chamuscar requeria algum cuidado. Não se podia dar muito fogo, para não se correr o risco de queimar a pele, pois, se isso acontecesse, ficaria amarela e estaladiça.
O mais difícil desta operação era a tiragem das unhas, que para saírem levavam mais fogo e requeria uma grande rapidez para não nos queimarmos.
A seguir vem a lavagem, com um regador, cuja água corria em bica, em cima das mãos das pessoas, que esfregando o corpo do porco, com um tijolo ou uma cortiça, o tornavam tão branco como a neve.
Hélder Salgado.
27-04-2009.
Fotos: Net
(Continua amanhã)
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