Quatro retratos de mulheres do Alandroal. Retratos tirados por quem as amou.
Retrato terceiro. ========= Evita
Eu e a Evita nascemos na mesma casa. Num monte que se situa mesmo no meio do que é hoje uma grande mancha de eucaliptos entre as Hortinhas e a Malhada Alta.
Ela, filha dos patrões, os lavradores donos do monte. Eu, filho de mãe solteira, neto de um refugiado da guerra civil espanhola que aqui chegara com a minha mãe, ainda criança, em 1936, e que nunca tiveram documentos portugueses. O meu pai, louceiro do Redondo, morreu afogado na ribeira do Lucefecit, juntamente com os burros, numa noite de cheias "brabias", pouco antes do meu nascimento. No monte, o meu avô era abegão e a minha mãe era criada. Não obstante as diferenças sociais, fizemos a escola juntos, primeiro em Terena, onde os patrões tinham casa, depois em Évora, ela no colégio das Doroteias e eu na escola agrícola. Por essa altura já dormíamos juntos.
Casámos cedo, curiosamente com a bênção dos meus sogros, com quem, aliás, sempre me dei magnificamente.
Casámos, tivemos filhos, comprámos casa a crédito, trinta anos de prestações. Era a sério. Depois, deixei a escola e meti-me nesta coisa da música. Quando começámos a ter sucesso e a andar por fora é que os problemas apareceram. Eram semanas seguidas fora de casa. No verão chegavam a ser meses. Nós, todo o grupo, embriagados com a saída que estávamos a ter. Eram contratos atrás de contratos. O dinheiro, finalmente, começava a sobrar. Mudámos de casa, comprámos carro novo e os putos foram para um colégio particular. A Evita, até tinha mais tempo para se dedicar aos tribunais.
Era, e ainda é, uma excelente advogada, e quando tudo parecia, pensava eu, que corria bem, a Evita achou que não havia mais condições de vivermos juntos. Caiu-me o céu na cabeça. Eu, o mais bem comportado do grupo, o que dormia sozinho nos quartos de hotel quando andávamos em digressão, o que telefonava para casa constantemente, era largado pela mulher, com a justificação de que não dava apoio suficiente á família. Nunca acreditei nessa desculpa e mais tarde vim a saber que ela já se entendia com um juiz do ministério público. Antes de saber desta relação, ainda me esforcei muito para que o casamento não acabasse. Até falhei contratos. Os dados, porém, já estavam lançados e não havia nada a fazer. Hoje somos amigos.
Quase amigos. A Evita disse-me mais tarde, quando todas as raivas acalmaram, que se tinha cansado de esperar durante todos aqueles anos em que o sucesso tinha embebedado a banda. Ela também não teve sorte, aquilo com o juiz não durou muito e hoje vive sozinha, já que os nossos dois rapazes saíram de casa. Às vezes, parece-me que ela me pede, com os olhos, que eu fique, quando a visito. E um dia destes vou ficar. Também estou cansado de estar sozinho. Estivemos juntos mais de trinta anos. Desdque nascemos até que nos separámos. Para além dos filhos temos muitas coisas em comum. Parece-me, até, que aquilo que durante muito tempo nos uniu acabou por ser o que nos separou. Sexo. Não se riam. É isso mesmo.
Sexo. Foi muito importante para nós. Foi bom até ao fim. Ao contrário do que acontece com outros, em que o sexo começa bem e acaba mal, connosco foi sempre bom.
Curiosamente, também foi o sexo que nos separou. Quando ela pensou que eu andava a vadiar por outras camas, foi embora, não sem antes me ter presenteado com um par de chifres. A Evita e eu desde cedo começámos a dormir juntos, e a excelente relação de cama que conseguimos não nos foi ensinada. Foi obra nossa, com pesquisa também nossa. Nem manual tivemos. Foi fruto da nossa imaginação.
Posições, timings, etc. Viemos a saber, mais tarde, que já tudo vinha nos compêndios mas nós não nos guiámos por eles. Antes, eu apenas tinha tido uma experiência desastrosa com uma prostituta, e a Evita não tinha experiência nenhuma.
Soubemos, por nós, que o orgasmo, não é um fim em si, mas sim um passo apenas, nem sequer o passo final num acto sexual. Os abraços, as carícias, os cheiros, os olhares, a falta de ar, as dentadas, os grunhidos, (não se riam, por favor) e olhem, até uma certa violência controlada, passaram a fazer parte da nossa relação de cama.
Ironicamente, o juiz com quem a Evita foi viver depois de nos separarmos, ao ter noção de como ela se comportava na cama, tirou ilações erradas, e pensou que uma mulher daquelas, com tal experiência, e tamanha beleza, não podia ter casado e permanecido com o mesmo homem durante tantos anos. Onde tinha ela aprendido tudo aquilo? Com quem tinha aprendido? Além disso o marido (eu ) não tinha ar de grande fodedor, achava ele. Seria mesmo como ela dizia? O homem ficou com muitas dúvidas e as crescentes ousadias de Evita, mais não fizeram do que aumentar essas dúvidas. É altura de dizer que a Evita era uma mulher muito bonita, era assim como a Madonna, mas mais morena. Juntem umas saias curtas ou umas calças apertadas e terão a Evita no seu melhor. Depois de nos divorciarmos a relação dela não aguentou um ano. O juiz, foi transferido para uma comarca no Algarve e nunca mais se ouviu falar dele. Só tive conhecimento disto muito mais tarde e foi a própria Evita quem me contou, num daqueles encontros que sempre mantivemos por causa dos nossos rapazes.
Não nego que isto me deu algum gozo, uma espécie de vingança retardada, e nem sequer me apercebi que a Evita apalpava terreno para um eventual reatamento.
Reatamento que não seria possível porque nessa altura já eu andava com a Chibia.
E de cabeça perdida, com é hábito meu nestas coisas.
A Evita vive agora no monte da nossa infância. Teve um problema oncológico.
O cabelo já lhe começa a crescer de novo. O mais novo dos filhos vive com ela.
Também lá estão dois netos nossos. Visito-a com frequência e passeamos muito pelo Concelho dos Três Castelos. Já consigo ouvir de novo aquelas gargalhadas que encantavam toda a gente. Espero continuar a ouvi-las durante muitos anos.
Assim Nossa Senhora da Boa Nova queira, como ela costuma dizer.
Terena, primavera de 2001
Rufino Casablanca
(não perca em breve o quarto e último retrato)
5 comentários:
ah ganda homem
Rufino, era o avô.
Magnifica imaginação. Texto com muita qualidade. Parabens ao autor
Textos plenos de um certo realismo fantástico à Gabriel Garcia Marques e/ou Vargas Llosa que eu li e gostei., devido á qualidade dos textos em si mesmos.
Uma coisa é certa com colaboradores deste calibre, tu e o blog estão a ir longe... por
mais que certos esparvoeirados não o aceitem, ou larguem umas postas de inveja.
Parabéns a todos nós porque é assim que se faz caminho com uma certa qualidade e beleza de mensagem.
Abraço
A.N.B.
Não posso deixar de dar os parabéns ao autor dos textos que tenho lido com muito prazer.
Espero que não pare nas quatro histórias que nos promete e que continue a brindar-nos com mais momentos de imaginação e realidade ao alcance de muito poucos.
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