quinta-feira, 30 de outubro de 2008

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM

http://www.dianafm.com/

Eduardo Luciano - Incoerências e chantagens

30-out-2008
Em política não pode valer tudo. Eu sei que a frase começa a tornar-se um lugar comum, de tantas vezes repetida e usada nos mais diversos contextos, mas não encontro outra para ilustrar o que penso sobre o assunto. Começou a ser discutida na especialidade a alteração do Código do Trabalho, tendo os partidos à esquerda do PS apresentado 370 propostas de alteração ao projecto apresentado pelo partido do governo. PCP e BE, foram recuperar algumas das propostas que o PS defendeu em 2003 e que a direita, então em minoria, recusou.
Uma das questões mais controvertidas nessa altura terá sido a formulação do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, inscrito no artigo 3.º do código laboral, considerada como essencial em diversas intervenções de deputados do partido que hoje ocupa o poder. Ora bem, PCP e BE apresentaram uma proposta de alteração daquele artigo literalmente igual à apresentada pelo PS há cinco anos. Por esta altura, quem me ouve deve estar a pensar: “perante esta situação e para não cair numa incoerência maior que o Palácio de S. Bento, tiveram que acompanhar aquela que foi a sua posição na anterior legislatura”. Estão profundamente enganados. Os deputados e deputadas do PS, alguns e algumas já eram deputados da nação em 2003, fizeram da cara outra parte do corpo e votaram contra algo que já tinham votado a favor. Perguntamo-nos todos, mas afinal o que mudou? A regra em apreço é essencial na construção do edifício jurídico que suporta o direito do trabalho, pelas declarações de voto dos elementos da bancada da maioria que tiveram a coragem de votar contar o projecto na generalidade, ficámos a saber que a posição programática do seu partido não se alterou, o ministro do trabalho de hoje foi o deputado de então que apresentou a proposta que hoje recusa. Já sabem o que mudou? É isso mesmo. Estão no poder. E isso altera tudo. Pelo caminho lá ficou mais uma fatia da confiança que os eleitores e a população em geral têm nos detentores de cargos públicos. Por este andar, qualquer dia ninguém acredita em ninguém, pois as opiniões e princípios mudam todos ao sabor da conjuntura. E por falar em incoerências e cambalhotas podemos aqui incluir as associações patronais que após terem acordado, em sede de concertação social, a evolução do salário mínimo até aos 500 euros em 2011, vêm agora questionar tudo, pedindo uma reavaliação do anteriormente decidido, querendo pôr em causa o aumento de 5,5% para o próximo ano que colocará o valor mínimo da retribuição nos 450€. O presidente da Associação das Pequenas e Médias Empresas foi mais longe nesta lógica de chantagem, anunciando que iria aconselhar os seus associados a não renovarem os cerca de quarenta mil contratos a termo com os seus trabalhadores. Apesar de reconhecer as dificuldades óbvias que as pequenas empresas enfrentam nestes tempos conturbados, é perfeitamente inadmissível que um dirigente de uma associação patronal queira carregar sobre os mais afectados pela crise o fardo dos erros próprios e das políticas erradas dos vários governos, que muito têm dificultado a vida deste importante sector do tecido empresarial. Esperamos bem que, nesta questão em concreto, a cara do ministro Vieira da Silva se mantenha cara, não se transformando noutra coisa qualquer.
Até para a semana

Eduardo Luciano

Sem comentários: